Preste atenção no título, pois nem estou falando de tecladinhos, mas dos pianos digitais de verdade com teclas pesadas e tudo mais. Também não estou falando dos horrorosos pianos chineses do tipo Fenix, uma verdadeira cilada com semi-peso, polifonia minguada e timbres fraquinhos.
Vejo por aqui na minha cidade que a maioria dos alunos de
piano clássico não têm piano acústico, por isso praticam em algum tipo de
teclado eletrônico, uns melhorzinhos e outros bem ruinzinhos.
De qualquer maneira, os estudantes que enveredam seriamente
pelo estudo do piano, acabam sentido falta do som verdadeiro, do toque e do encorpamento
que somente o instrumento acústico pode proporcionar. Por isso, elaborei uma
série de categorias representativas que estancam o avanço do estudante rumo ao
desenvolvimento da técnica pianística genuína.
1) Inarmonicidade inexistente
O grande chamariz do piano digital é o fato dele não
precisar de afinação. No entanto, esse também é o seu calcanhar de Aquiles,
pois o padrão de afinação matematicamente exato adotado nos teclados
eletrônicos acaba incomodando os ouvidos (por causa da sua percepção não linear).
A explicação desse fenômeno sairia do escopo dessa pequena lista, mas você pode
procurar na internet maiores informações sobre inarmonia nos pianos e verificar
como a imperfeição dos pianos acústicos torna a sua sonoridade mais simpática aos
ouvidos.
Remediação: os modelos mais sofisticados de teclados
eletrônicos possibilitam a troca do sistema de temperamento e até permite a
afinação de cada nota.
2) Equalização precária
Uma das principais reclamações de usuários de pianos
digitais é a dificuldade de equalizar o som para que a estridência seja
atenuada, uma característica ruim dos sintetizadores digitais que geram ondas
quadradas e que são posteriormente (precariamente) suavizadas através de
filtros digital/analógico.
Remediação: a única solução possível é pegar o sinal não
balanceado de áudio do piano digital e submetê-lo a um equalizador externo e
posteriormente a um amplificador de excelente qualidade, de preferência
valvulado, pela característica das válvulas de suavizarem o som. Para resolver
o problema do "som de lata", jogo a saída do meu teclado Yamaha
DGX-500 num equalizador Micrologic ME-22 estéreo de 10 canais e a saída é
amplificada por um cubo Staner KS-150.
3) Timbre pobre
Isso chega a ser óbvio demais, mas deve ser dito: a missão
dos dispositivos eletrônicos é simularem um instrumento acústico real. Para
tanto, os fabricantes lançam mão de sofisticados equipamentos de captura e
"imageamento" das amostras (samples) no processo de gravação dos sons
de um piano de cauda de verdade. No entanto, por mais perfeito que seja o
processo, não há como superar as limitações intrínsecas de algo que tem tão
somente a função de simular.
Tais limitações são perceptíveis também pelas ausências.
Faltam os sons viscerais do piano, tais como os ruídos dos pedais, do
mecanismo, enfim, toda uma miríade de sons gerados dentro da caixa de
ressonância constituidora do piano acústico.
Remediação: módulos externos de piano, softwares de pianos
virtuais e pianos digitais sofisticados contornam a pobreza harmônica, mas a um
custo altíssimo, equivalente ao que você dispenderia por um bom piano de cauda.
4) Pobreza harmônica
Os sons puros caracterizaram a primeira geração de
sintetizadores eletrônicos. Hoje achamos muito pueris e planos os antigos hits
eletrônicos das décadas de 70 e 80, tais como Tangerine Dream, Isao Tomita,
Walter Carlos, Rick Wakeman, etc. A principal razão para o ouvido moderno ter
mudado o crivo estético em relação aos antigos sintetizadores do tipo Moog, A.R.P.
synthesizer, Mellotron, foi a carência de componentes harmônicos. O vídeo a
seguir ilustra o que são os harmônicos, ou seja, notas múltiplas parciais
geradas a partir da nota fundamental. Os ouvidos conseguem distinguir alguns
harmônicos, mas as pessoas de modo geral terão a percepção de som mais rico,
quanto mais deles houver.
Remediação: novamente, o dinheiro é o único capaz de
resolver esse problema, pois os instrumentos mais caros (dotados de memórias suficientemente
grandes para armazenarem amostras robustas) possuem riqueza harmônica
praticamente equivalente aos pianos acústicos.
5) Ressonância simpática inexistente
O vídeo abaixo explica, (ironia do destino, num teclado
eletrônico) o que é na prática o conceito de ressonância simpática entre as
cordas. No piano acústico, uma das fontes da riqueza tonal está na capacidade
das cordas se tangerem umas às outras. Infelizmente, a maioria dos instrumentos
eletrônicos não dispõe desse recurso.
Remediação: ou você adquire um piano virtual como esse do
vídeo acima que funciona conectando o seu piano digital comum ao computador, ou
compra um piano digital de alta estirpe dotado de ressonância simpática (sympathetic
resonance digital piano).
6) Toque duro ou leve demais
Há três conceitos em teclados eletrônicos: peso nenhum,
semi-peso, peso-piano e os mais sofisticados vem com peso-piano graduado (graded
hammer), mais pesado nos graves e vai se tornando mais leve nos agudos, e os
dotados com mecânica construída inteiramente em madeira. As teclas dos teclados
eletrônicos comuns não tem peso algum. Têm semi-peso os teclados que apresentam
um leve clique no curso da tecla. Os pianos digitais com peso-piano custam mais
e os dotados de efeito graded hammer são bem mais caros. Os pianos digitais com
mecanismo de madeira, quase idênticos ao empregado nos pianos de cauda, são os
mais sofisticados do mundo.
Remediação: experimentei um Clavinova da Yamaha e posso
afirmar que ele tem peso excessivo, como se você apertasse as teclas contra
uma borracha. Quem não dispõe de espaço e quer praticar num instrumento que
oferece EXATAMENTE o mesmo toque do piano de cauda, a solução é comprar um
piano digital que utiliza o mesmo mecanismo dos pianos de cauda. A Yamaha disponibiliza
a série Avant Grand e a Roland oferece a série Digital Grand.
7) Mecanismo não amacia
Todo o pianista sabe que um piano acústico novo vai
amaciando no decorrer do tempo de uso. Já os teclados eletrônicos, por serem
constituídos 100% de plástico, não chegam a amaciar. Portanto, se você acha duro
o toque do seu Clavinova, pode perder as esperanças de que um dia ele se
modifique.
Remediação: somente dos pianos digitais top de linha,
equipados com mecanismos de madeira, se pode esperar o efeito amaciamento.
8) Pobreza dinâmica
Se você tem um piano de cauda, sabe que para cada quantidade
de força exercido na tecla consegue extrair um timbre diferente. Os grandes
intérpretes exploram essa capacidade ao máximo nos grandes pianos de concerto.
Isso significa que as potencialidades tonais do piano analógico são
praticamente infinitas, sabendo-se que existem inúmeras graduações de força
possíveis.
A recriação digital desse recurso requer a gravação de
múltiplos níveis de diferentes dinâmicas, o que esbarra na capacidade de
memória e processamento do dispositivo.
Remediação: o dinheiro que você está disposto a dispender
para comprar um piano digital vai definir muitas coisas, entre elas a
capacidade do piano digital de recriar texturas harmônicas atreladas à dinâmica
do toque.
9) Ruídos nas teclas
Os teclados e pianos digitais podem apresentar com o uso
cliques desagradáveis nas partes móveis de plástico. Constatei o problema num
Cassio PS20. O vídeo abaixo mostra o problema num Korg que usa o avançado
mecanismo RH3 (real hammer 3d generation).
Remediação: não conheço uma marca infensa a ruídos nas
teclas. Sejamos sinceros, problemas semelhantes podem ocorrer em pianos acústicos.
10) Limitações na polifonia
A polifonia quantifica a quantidade de sons que podem ser processados
simultaneamente num aparato eletrônico. Nessa categoria não entra apenas o
número de notas, mas também os efeitos combinados de pedal de sustentação, eco,
reverberação, etc. Para os tecladistas rápidos, a polifonia de 32 vozes
provavelmente estourará, e quando isso acontece, as primeiras notas tocadas são
perdidas.
Remediação: vale lembrar que a polifonia dos instrumentos
acústicos é ilimitada. No caso dos teclados digitais, 128 vozes garante que não
haverá truncagem nas passagens rápidas feitas com o pedal de sustentação
acionado.