Reconhecer as qualidades de uma execução é um dos grandes
prazeres reservados aos ouvintes. Normalmente, quando vemos críticas sobre uma
determinada peça, termos como "paleta de cores", "fluidez",
"respiração", "clareza" costumam ser empregados. O que a
princípio parecem ser julgamentos apriorísticos e puramente subjetivos, são
instâncias que se repetem e que o ouvido pode começar a vislumbrar, desde que tenha
acesso ao treinamento adequado e este treinamento só é obtido ouvindo,
estudando, perscrutando e ouvindo mais ainda.
Fraseado: Maria João Pires
Fraseado significa incorporar na execução o ato da
respiração e isso concede uma fluidez toda especial, cativando o ouvinte pela
organicidade. Uma das pianistas detentoras de um dos fraseados mais lindos que
conheço é a portuguesa Maria João Pires. Veja como ela faz o seu Scarlatti
respirar, um compositor visto tradicionalmente como autor de 555 sonatas pedagogicamente áridas.
Precisão: Arturo Benedetti Michelangeli
Clareza, regularidade rítmica e fidelidade à partitura são
qualidades não raras vezes transformadas em pejorações do tipo "pianista
cerebral", "pianista metronômico", "pianista
robótico", etc. Entretanto, é essa classe de pianismo que pode nos
descortinar quiçá as reais intenções do compositor. Intérpretes do porte de um Artur
Schnabel, Josef Hofman, Claudio Arrau, Alfred Brendel, Rudolf Serkin, Wilhelm
Kempff, Pierre-Laurent Aimard e, naturalmente Michelangeli além de nos concederem
o seu lirismo, nos legaram o total respeito à obra dos autores, sem se deixarem
cair na tentação dos rasgos perfunctórios e dos rubatos egocentristas.
Articulação: Glenn Gould
A capacidade de destacar as notas de maneira límpida,
situando a execução entre o staccato e o legato, foi a marca registrada deixada
por Glenn Gould, que desenvolveu arduamente esta técnica conjuntamente com o
seu mestre Alberto Guerrero. Uma das herdeiras dessa escola é a fantástica
pianista e professora canadense Angela Hewitt.
Dinâmica: Ernst Levy
O poder de fazer o piano emitir sons fracos e fortes
constitui a essência do instrumento e os grandes contrastes caracterizam o
périplo musical de Beethoven. O pianista do vídeo acima exemplifica o triunfo
da técnica e o terror dos técnicos de estúdio que se meteram a gravar a
façanha.
Colorido tonal: Guiomar Novaes
Estranhamente, mesmo o piano disponibilizando notas fixas e
estanques por acionamento indireto através de teclas, há todo um jogo de
sonoridades possíveis a ser explorado pelo uso sutil e intensivo dos pedais. E
na história da música não há que mais tenha convertido em realidade a famosa
técnica de uso dos pedais do professor Luigi Chiaffarelli do que a grande
Guiomar Novaes. Assim, aliando o toque de natureza única à destreza do uso dos
pedais, esta pianista consegue exprimir uma fecundidade tonal jamais vista na
história do piano!
Cantábile: Vladimir Horowitz
Nenhum comentário:
Postar um comentário