Todos que gostam das performances do pianista canadense e
tiveram oportunidade de acompanhar os seus vídeos, sabem que o movimento dos
seus dedos passa a ideia de perfeição de um mecanismo de relógio. O resultado
prático da técnica adquirida pelo pianista é a extrema separação de vozes nas
texturas polifônicas de Bach e outros e não é à toa que Glenn Gould passou para
a história, antes de mais nada, pela sua gravação das Variações de Goldberg
feitas em 1955, quando aos 22 anos já demonstrava um rigor formal absolutamente
surpreendente (praticamente maquinal como exclamavam alguns).
Apesar de Glenn Gould vender a imagem de autodidata, isso não é verdade, pois dos 11 aos 20 anos ele teve aulas com o Pedagogo chileno Alberto Guerrero, que lhe ensinou a técnica desenvolvida por ele e denominada "finger tapping".
Vejamos aqui um relato que desmistifica a falácia:
In his mature years,
Gould tended to give minimal credit to Guerrero, claiming that he was largely
self-taught. He also insisted that he spent much less time practicing at the
keyboard than studying scores away from it. With the following statement, Ray
Dudley, another former Guerrero student, puts both these claims into doubt:
"Glenn told me it took him 32 hours to tap out each variation of the
Goldbergs prior to recording them the first time." Dudley is referring
here to a slow exercise where the fingers of one hand are superimposed on the
fingers of the other, tapping their way through a piece of music at the
keyboard. This was a technique adapted to the piano by none other than Alberto
Guerrero, and which, according to its practitioners, gives great clarity to
rapid passagework, one of the most noteworthy aspects of Gould's almost
miraculous dexterity at the keyboard. [Reviews of The Idea of
Gould and The Art of Glenn Gould: Reflections of a Musical Genius]
Em português tapping significa tamborilar, bater, ou seja o dedo
indicador de uma mão aciona os dedos da outra simultaneamente ao movimento. Como
a nota é tangida com o dedo em total relaxamento, a tecla volta à posição
inicial passivamente.
O vídeo a seguir explica o conceito geral:
Dizem as lendas que Alberto Guerrero teve o insight do finger tapping depois que visitou um circo chinês e se maravilhou com um jovem contorcionista que fazia todo o tipo de movimentos complicados sem aparentar o mínimo esforço físico. Depois do espetáculo, ele foi aos bastidores e soube do treinador que a técnica consistia em "ensinar" as posições ao corpo do rapaz movendo os membros totalmente relaxados. Com isso, quando em cena, o artista repetia os mesmos movimentos partindo da sensação de repouso.
De acordo com os relatos, Glenn Gould repassou antes das
gravações todas as 32 peças das Variações de Goldberg usando a técnica finger
tapping, fato que consumiu 32 horas. [Wikipedia]
Procurando na internet, encontramos pouquíssimo material
falando sobre a execução prática dessa técnica. Felizmente, no documentário Genius
Within: The Inner Life of Glenn Gould há o depoimento da ex-colega de
conservatório de Glenn Gould, a pianista e compositora Ruth Watson Henderson,
que felizmente para nós, demonstra ao piano num pequeno trecho de Bach a técnica
em ação!
Como todo remédio, esse também possui contra indicações. Se
você notar, o repertório de Glenn Gould nunca abrangeu os compositores
românticos, que segundo ele, eram afetados e histriônicos demais, que segundo ele,
não sabiam compor, aliás, até sobre Beethoven ele alfinetava pesadas críticas. E
a explicação para essa defecção é muito simples: peças do período romântico
você toca com o corpo e Glenn Gould nunca aprendeu a tocar com o corpo.
O fato que ilustra emblematicamente essa deficiência ocorreu
durante a apresentação em 1962 do concerto número 1 para piano de Brahms com a
regência de Leonard Bernstein. Foi para a história a famosa declaração de
Bernstein antes da apresentação desculpando a "interpretação não
ortodoxa" do solista. E um dos motivos das saraivadas dos críticos, além
do andamento extremamente lento, foi justamente a "barroconização" de
Brahms, através da omissão deliberada das ressonâncias (uso orquestral do piano) típicas dos românticos. Mais um ponto para a falta de uso do corpo no ataque de música homofônica.
Confira nesse trecho:
In retrospect
Bernstein must have been bothered by Gould’s other “departures” more than by
the slow tempos. As Gould recalled in a radio interview in 1963, he was swept
up with Baroque music at the time of the Brahms performance and trying to flesh
out Baroque elements in Brahms. It is not the slowness that seems strange, or
anti-Romantic, but the deliberate pulse, the detached articulation and the
constricted range of dynamics. Brahms often wrote for the piano as if it were
an orchestra. Here Gould tried to rid the piano part of orchestral thickness
and purge the music of blatant expressive contrasts. [For
Glenn Gould, Form Followed Fingers]
O outro senão ao uso exclusivo dos dedos no ato de tocar
piano é que você tem que se posicionar extremamente baixo em relação ao
instrumento. Isso justifica a estranha e arruinada cadeirinha (construída pelo
pai) que Glenn Gould utilizava, cujo assento ficava a tão somente 33 centímetros do chão! Agora você entende porque Glenn Gould se tornou corcunda...
Ahh, o sacrossanto mandamento dos dedos arqueados também é negligenciado, pois se você prestar atenção no posicionamento das mãos de Glenn Gould, verá que a maior parte do tempo elas estão achatadas, muito disso devido à posição dos braços extremamente baixa em relação ao teclado.
Ahh, o sacrossanto mandamento dos dedos arqueados também é negligenciado, pois se você prestar atenção no posicionamento das mãos de Glenn Gould, verá que a maior parte do tempo elas estão achatadas, muito disso devido à posição dos braços extremamente baixa em relação ao teclado.
Descrição da técnica Finger-Tapping no livro In
Search of Alberto Guerrero
Nenhum comentário:
Postar um comentário