Páginas

Pesquisar

3 de jan. de 2013

A fabulosa técnica pianística Finger Tapping de Alberto Guerrero usada por Glenn Gould

por
Todos que gostam das performances do pianista canadense e tiveram oportunidade de acompanhar os seus vídeos, sabem que o movimento dos seus dedos passa a ideia de perfeição de um mecanismo de relógio. O resultado prático da técnica adquirida pelo pianista é a extrema separação de vozes nas texturas polifônicas de Bach e outros e não é à toa que Glenn Gould passou para a história, antes de mais nada, pela sua gravação das Variações de Goldberg feitas em 1955, quando aos 22 anos já demonstrava um rigor formal absolutamente surpreendente (praticamente maquinal como exclamavam alguns).


Apesar de Glenn Gould vender a imagem de autodidata, isso não é verdade, pois dos 11 aos 20 anos ele teve aulas com o Pedagogo chileno Alberto Guerrero, que lhe ensinou a técnica desenvolvida por ele e denominada "finger tapping".
Vejamos aqui um relato que desmistifica a falácia:
In his mature years, Gould tended to give minimal credit to Guerrero, claiming that he was largely self-taught. He also insisted that he spent much less time practicing at the keyboard than studying scores away from it. With the following statement, Ray Dudley, another former Guerrero student, puts both these claims into doubt: "Glenn told me it took him 32 hours to tap out each variation of the Goldbergs prior to recording them the first time." Dudley is referring here to a slow exercise where the fingers of one hand are superimposed on the fingers of the other, tapping their way through a piece of music at the keyboard. This was a technique adapted to the piano by none other than Alberto Guerrero, and which, according to its practitioners, gives great clarity to rapid passagework, one of the most noteworthy aspects of Gould's almost miraculous dexterity at the keyboard. [Reviews of The Idea of Gould and The Art of Glenn Gould: Reflections of a Musical Genius]

Em português tapping  significa tamborilar, bater, ou seja o dedo indicador de uma mão aciona os dedos da outra simultaneamente ao movimento. Como a nota é tangida com o dedo em total relaxamento, a tecla volta à posição inicial passivamente.
O vídeo a seguir explica o conceito geral:


Dizem as lendas que Alberto Guerrero teve o insight do finger tapping depois que visitou um circo chinês e se maravilhou com um jovem contorcionista que fazia todo o tipo de movimentos complicados sem aparentar o mínimo esforço físico. Depois do espetáculo, ele foi aos bastidores e soube do treinador que a técnica consistia em "ensinar" as posições ao corpo do rapaz movendo os membros totalmente relaxados. Com isso, quando em cena, o artista repetia os mesmos movimentos partindo da sensação de repouso.

De acordo com os relatos, Glenn Gould repassou antes das gravações todas as 32 peças das Variações de Goldberg usando a técnica finger tapping, fato que consumiu 32 horas. [Wikipedia]
Procurando na internet, encontramos pouquíssimo material falando sobre a execução prática dessa técnica. Felizmente, no documentário Genius Within: The Inner Life of Glenn Gould há o depoimento da ex-colega de conservatório de Glenn Gould, a pianista e compositora Ruth Watson Henderson, que felizmente para nós, demonstra ao piano num pequeno trecho de Bach a técnica em ação!

Como todo remédio, esse também possui contra indicações. Se você notar, o repertório de Glenn Gould nunca abrangeu os compositores românticos, que segundo ele, eram afetados e histriônicos demais, que segundo ele, não sabiam compor, aliás, até sobre Beethoven ele alfinetava pesadas críticas. E a explicação para essa defecção é muito simples: peças do período romântico você toca com o corpo e Glenn Gould nunca aprendeu a tocar com o corpo.

O fato que ilustra emblematicamente essa deficiência ocorreu durante a apresentação em 1962 do concerto número 1 para piano de Brahms com a regência de Leonard Bernstein. Foi para a história a famosa declaração de Bernstein antes da apresentação desculpando a "interpretação não ortodoxa" do solista. E um dos motivos das saraivadas dos críticos, além do andamento extremamente lento, foi justamente a "barroconização" de Brahms, através da omissão deliberada das ressonâncias (uso orquestral do piano) típicas dos românticos. Mais um ponto para a falta de uso do corpo no ataque de música homofônica.
Confira nesse trecho:
In retrospect Bernstein must have been bothered by Gould’s other “departures” more than by the slow tempos. As Gould recalled in a radio interview in 1963, he was swept up with Baroque music at the time of the Brahms performance and trying to flesh out Baroque elements in Brahms. It is not the slowness that seems strange, or anti-Romantic, but the deliberate pulse, the detached articulation and the constricted range of dynamics. Brahms often wrote for the piano as if it were an orchestra. Here Gould tried to rid the piano part of orchestral thickness and purge the music of blatant expressive contrasts. [For Glenn Gould, Form Followed Fingers]

O outro senão ao uso exclusivo dos dedos no ato de tocar piano é que você tem que se posicionar extremamente baixo em relação ao instrumento. Isso justifica a estranha e arruinada cadeirinha (construída pelo pai) que Glenn Gould utilizava, cujo assento ficava a tão somente 33 centímetros do chão! Agora você entende porque Glenn Gould se tornou corcunda...

Ahh, o sacrossanto mandamento dos dedos arqueados também é negligenciado, pois se você prestar atenção no posicionamento das mãos de Glenn Gould, verá que a maior parte do tempo elas estão achatadas, muito disso devido à posição dos braços extremamente baixa em relação ao teclado.

Descrição da técnica Finger-Tapping no livro In Search of Alberto Guerrero

Nenhum comentário:

Postar um comentário