"Se o bem é um complexo de bens reais e de objetos necessários e não-necessários, chamados esses também de bens, é necessário tentar procura-los. Mas, se o fim é necessariamente um só e não muitos – porque então procuraremos os fins, mas não o fim – é necessário considerar como único fim o fim último, o mais precioso, aquele que a alma tenta acolher em si."*
Recém assisti o filme "A Invenção de Hugo Cabret"
e me vi com pulga atrás da orelha sobre a sofrida questão da finalidade
existencial. Ela permeia a vida dos sujeitos desde que o homem deixou (elevou
os olhos ao céu) de se preocupar estritamente com a reprodução e sobrevivência.
Estamos fadados a algum terminalismo teleológico, ou apenas
estamos aí no mundo sem eira nem beira, marionetes passivos no desenrolar do
pano da existência? Acho que aí reside a diferença cardeal entre ateus e
crentes, enquanto os primeiros podem se omitir tranquilamente das reflexões
sobre a sua função no universo, os segundos moralmente não devem sonegar que
estão no mundo para desempenhar um papel – não significando necessariamente que
estejam dispostos a fazê-lo.
Paradoxalmente, enquanto se observa muitos ateus às voltas
com a questão do finalismo, grande parte dos crentes delega às mãos de Deus as
questões existenciais mais nevrálgicas, ou seja, achar uma resposta
satisfatória à pergunta fundamental: para quê existo?
Como é um filme baseado num livro (não li o livro), mas como
um filme costuma ser um produto com tudo embaladinho para pronto consumo, os
personagens ao final da trama descobrem o seu papel lindo e maravilhoso e vivem
felizes para sempre enquanto baixam os letreiros.
Lamentavelmente, as coisas na vida prática não são tão
esquemáticas e bem resolvidas, pois o impulso teleológico primordial jamais é
inteiramente satisfeito. Um jardineiro deverá alcançar a quintessência da
jardinagem? Um compositor deverá atingir a música absoluta? Um médico terá
conseguido ao final da carreira a cura para todos os males ou, se olhar
para trás, verá tão somente uma trilha de sucessivas tentativas e erros? Um homem de filosofia terá encontrado respostas às questões
ontológicas? Um homem comum de ofício indeterminado almejará pelo menos se tornar um
homem melhor?
Se melhorar é considerado uma meta aceitável, então há pelo
menos um fim lato sensu, independentemente da grande finalidade em si mesma. No
entanto, o que contemplamos à volta é justamente o contrário, os sujeitos se
estropiando física e moralmente ao longo da vida num longo decair. Deve ser a
luta contra a decadência o derradeiro e verdadeiro fim?
No filme "A Invenção de Hugo Cabret" a ocupação do
garoto Hugo é acertar, dar corda e manutenir os imensos relógios da estação ferroviária central de Paris e ele o faz para cumprir o ofício imposto pelo tio bêbado e omisso. Depois do sumiço do tio, ele continua a fazê-lo para garantir o frágil status quo, mesmo que de garoto sozinho e vadio, para garantir um lugar para
ficar que não seja o orfanato. É uma boa metáfora! Talvez sejamos Hugos em
algum lugar do espaço e tempo meramente desempenhando funções que caíram nas
nossas mãos, enquanto nos embatucamos para achar o fim definitivo, se é que ele
um dia se mostrará acessível.
* Citação de Plotino feita no livro "O fim último do
homem" de Idalgo Jose Sangalli, página 129.
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