Fruto da minha convivência de 8 anos com um piano velho, foi o impulso de buscar algo mais confortável. Dito e feito! Acabamos
nos apaixonando por um reluzente piano novo de cauda na loja e o adotamos, sem
vícios nem grilos.
Doravante, fica difícil entender a primazia que o piano
velho goza na gosto das pessoas. Certamente as madeiras de antanho são
insuperáveis, logicamente os processos construtivos eram muito mais manuais e deve-se
relevar que tais instrumentos possuem uma rica história, por vezes
compreendendo várias gerações.
(Cá pra nós, é simples entender a mística que envolve
candelabros, madeiras maciças, entalhes, marfins, ébanos, notória robustez dos gabinetes,
etc.)
Por outro lado, tenho que ser suficientemente racional para
levar em conta que, ao contrário do violino, o piano pode ter até dezenas de
milhares de peças móveis e um nível de complicações que o torna o rei da
complexidade entre os instrumentos! E isto luta contra as possibilidades de se
adquirir um piano íntegro, principalmente se for daquele time que não vê um
pianista desde o tempo em que a vovó era mocinha.
Se por um lado o elã das madeiras nobres e da história são
elementos de sedução, por outro, os preços convidativos terminam convencendo os
incautos. E o raciocínio é muito simples: “compro um piano baratinho e, se
houver algum problema, mando consertar”.
Ledo engano senhoras e senhores! Pois nem todo o piano velho
está logo ali ao alcance de uma reforma. Às vezes ele não tem nenhuma condição
de ser resgatado do mundo dos mortos, enquanto em outras, o bilhete de resgate
é tão grande que não vale a pena jogar dinheiro bom em ruína. (Por isso a assistência de um afinador de confiança na hora de examinar um piano usado é de vital importância.)
Digamos que você tenha adquirido um piano velho mais ou
menos funcionando. A coisa continuará no mais ou menos (muitas vezes menos) até
você se se fartar da experiência. Nesse meio tempo, pode descobrir que
algumas cravelhas já não seguram mais a afinação, rachaduras na tábua harmônica,
cordas enferrujadas, molas oxidadas, feltros desgastados, mecânica necessitando
de uma UTI, etc.
Tal é a rotina de um proprietário de piano velho, ele decora
os rangidos, mapeia os abafadores que funcionam precariamente, sente gelar o sangue nas
teclas que tendem a trancar e prende a respiração a cada afinação para que umas
três cordas não se quebrem. Logicamente os pianos novos têm lá seus defeitos,
digamos assim, num menu muito mais reduzido e passíveis de correção.
Fale com um proprietário de piano velho e ouvirá um rosário
de reclamações, imprecações contra a displicência dos afinadores, queixas de
cliques, grilos intermitentes, desequilíbrio tonal, teclas xoxas ou presas,
pedais barulhentos, sostenuto que não funciona, etc. No entanto, provavelmente
a paixão do dono continua inalterada pelo seu matusalém e a sua desconfiança nesses
modernos pianos chineses feitos em série por robôs continua nas nuvens.
Por enquanto, há coisas que não saem facilmente de cena e a
principal delas é a tradição.
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