Comprei o meu Yamaha DGX-300 em 2004 e de lá para cá nunca
havia "aberto o capô". Pois bem, num belo dia desses percebi que o
feltro usado para recobri-lo estava com mais poeira do que a cidade de Pompeia
soterrada pelo Vesúvio, logo, a limpeza imediata se tornou imperativa.
A lacraia fagueira...
Estando sem feltro, observei mais atentamente o teclado e
percebi uma lacraia andando toda fagueira por entre as reentrâncias de
plástico. Certamente que tentei mata-la no ato e, logicamente, ela escapuliu
agilmente e sumiu numa fresta entre as telas. Acabava de ser decretada a
desmontagem do dito cujo, caça à lacraia, e limpeza geral da poeira juntada
depois de todos esses anos.
1000 parafusos depois...
Mesmo permanentemente tapado, o teclado sofreu com a
imundície do tempo. Seus alto-falantes tinham uma grossa camada de poeira,
embaixo das teclas idem. Tive que liquidar a lagarta com o infame inseticida
Rodox Mortein, pois mesmo com a buchada do teclado exposta, ela teimava em se
esconder nas dobras de um cabo múltiplo. Uma lufada apenas de inseticida foi
suficiente para demovê-la definitivamente da carreira de roedora de instrumento
musical.
Por que continuar com um teclado digital depois de adquirir
um piano de cauda?
Por que mantemos um modesto teclado em casa se temos um
pungente piano de ½ cauda de 178 cm? Depois da morte da lacraia é importante
esclarecer esse pormenor. É porque sentimos necessidade ocasional de tocar
em algo verdadeiramente ruim quando vamos enfrentar um piano qualquer por aí.
Também é verdade que não acho legal me viciar num instrumento apenas, sabendo
que piano não é um item que você pode carregar nas costas.
Por isso, volta e meia estou lá enfrentando as molas do
tecladinho em estudos de difícil resolução, até para refletir sobre a
impossibilidade abismal de se desenvolver qualquer sombra de técnica pianística
num troço daqueles.
A incontrolabilidade dos instrumentos de molas...
A diferença entre o meu piano anterior, um vertical antigão
e prenhe de problemas de mecânica não era tão patética quanto a atual. Isso se
explica porque ambos os instrumentos se baseiam num conjunto de molas projetadas
para oferecer resistência à força do dedo e promover o retorno da tecla ao
estado de repouso. Escrevi sobre o assunto aqui:
Logo, se o mecanismo do piano de armário pouco aproveita o
princípio da alavanca, menos ainda a esmagadora maioria dos mecanismos dos
instrumentos eletrônicos, cuja extrema preocupação é com a redução de custos e
peso. Falo sobre o uso do princípio da alavanca nos pianos aqui:
Então, como se ter acesso às infinitas sutilezas da técnica
pianística praticando num instrumento que se opõe resolutamente ao controle do
pianista? Como produzir efeito de eco no estudo de Czerny (opus 299 nº 27) ou a
repetibilidade brutal exigida pela sonata 141 de Scarlatti, ou aquele
pianíssimo de doer requerido por algumas sonatas de Beethoven (depois vem o fortíssimo e você não consegue diferenciar um do outro)?
Não sei como os mártires que só estudam em teclados
conseguem desabrochar efetivamente, há os bem dotados que conseguem, os que
pensam que conseguem e os que não conseguem. Por ora, continuaremos com o
teclado, desta feita limpinho, instalado num andar da casa, enquanto o pianão
continuará imperando no outro, pois é sempre bom dar uma fugida no cantinho e
enfrentar grandes dificuldades por um lado e facilidades por outro. Sim, pois
se por um lado as teclas acionam em última análise um botão do tipo
liga/desliga – fato que minimiza nota falhada, por outro os esbarrões são
extremamente comuns entre pianistas puramente acústicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário