Há alguns anos sofri um incidente com o paraglider, que em
nada me afetou fisicamente, mas animicamente a coisa foi catastrófica. Criou-se
a fobia diante de quaisquer movimentações atmosférica mais bruscas.
Então, pelo tempo em que a terra abrigou o meu corpo, a alma
continuava a percorrer trilhas de nuvens, acompanhar trajetórias de urubus,
perscrutar ventos, especular pousos seguros, observar bandeiras e inclinação de
fumaças. Por vezes eu me via vagueando na base escura duma nuvem, ou
simplesmente imaginado como seria bom estar lá em cima novamente sem receios ou
temores.
Para mim voar é sinônimo de easy rider, sem rumo, sem objetivos a cumprir, sem tarefas, sem geringonças
eletrônicas, sem câmeras nem documentos. Para mim voar é alçar sem medo das alturas,
sem timidez com a amplidão, é comunhão com a natureza, é posar quieto na
abóboda do mundo.
Pois bem, tudo isso voltou, aos poucos, no dia da graça de
16.11.2014 num voo pleno de gratificações e quase nada de apreensões. Em
situações mágicas assim não se repara turbulências ou ventos estranhos, só a
natureza cantando a pleno vapor os seus sons ritmados e acariciando o nosso
corpo com a sua potência.
Como a partir do acidente comecei a me estressar com o ruído
eletrônico do variômetro, o substituí pelo “bundômetro”, melhor dizendo, pelo
corpo e todo ouvidos para escutar o tom das ascendentes e descendentes. Cada
corrente termal canta de maneira própria, tem a sua própria temperatura e avisa
os limites do tubo da corrente de ar ascendente.
Sei que estar sozinho jogado nas alturas é uma experiência
almejada por poucas criaturas, já que a maioria delas experimentaria verdadeiro
pavor na condição de seres alados (observa-se o pavor correndo solto nos voos
de avião). Por isso talvez voar não seja um privilégio, mas uma sina de gente
com um parafuso frouxo. Talvez o voo provenha um suplemento alimentar para uma classe
de pessoas que não consegue extrair todas as vitaminas essenciais na condição
de animais terrestres.
Dizem que para os urubus é fundamental o périplo diário em
ares rarefeitos para que consigam transmutar podridão em alimento vital.
Acredito nisso e vou mais além, não só eles precisam das altitudes para
transformar o empesteamento da terra, como também os humanos desprovidos de
asas, mas carentes de trilhar os campos de nuvens do Senhor! Só assim conseguem
amenizar as agruras de seres terrestres por natureza, mas alados internamente.
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