Lindsay Sheldon |
Eis uma análise da obra elaborada pelo crítico e escritor Robert
Cummings:
De todas as 550 sonatas de D. Scarlatti, poucas têm indicação
de andamento. Muitas dessas peças anteriores, e entre elas está a Sonata em Fá
menor, são executadas geralmente em adagio. Sacheverell Sitwell, biógrafo de
Scarlatti, agrupou as sonatas de acordo com determinadas características em comum e a
sonata K. 69 foi para o conjunto das "sonatas Adagio".
A peça se baseia num tema recorrente, cujo núcleo rítmico
provoca um efeito quase hipnótico que se acentua progressivamente. De certo
modo, a peça apresenta um elã que só apareceu bem mais tarde, como observa-se no 1º movimento da famosíssima op. 27 de Beethoven. Porém aqui, na Fá menor de
Scarlatti a atmosfera é mais sombria, o tema e as células rítmicas do entorno aparecem persistentes e lúgubres.
De modo geral, a peça parece um manto a recobrir algo que
vai sendo revelado aos poucos, em camadas de grande profundidade e complexidade. Não obstante ritmo e melodia fluírem inabaláveis, a emoção se intensifica a
partir da metade e a tensão acumulada é resolvida quando um tom funéreo é
ouvido nos baixos, quando acordes sombrios e trinados soturnos
encaminham para o fim fatídico.
Naturalmente, o ressoante piano moderno permite um novo lustro
às velhas partituras e o caso da sonata K. 69 é emblemático, pois se você
tocá-la a la tradição cravística, pouco ou nada do visionarismo scarlattiano
irá transparecer, como por exemplo nesta interpretação:
Agora ouviremos toda a magnificência proporcionada pela
grande Zhu Xiao-Mei, que permanecendo fiel ao espírito de sonata adagio, nos
descortina um mundo de infinitas nuances e maravilhamentos.
Como você verá, a análise transcrita acima somente cabe
quando esta sonata é tocada explorando a pleno os recursos sonoros do piano
atual, pois certamente D. Scarlatti teria gostado de ver a sua obra prima
transcendendo aos rígidos limites dos instrumentos da época, aliás, alguns
revisores não têm sequer certeza de que Scarlatti tenha destinado as suas
sonatas para cravo, talvez, como era costume daqueles tempos, tenha escrito
para qualquer espécie de teclado, uma vez que a característica básica do gênio é
trasbordar à sua contemporaneidade.
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