Beethoven começa a sua sonata Opus 27 número 2 de maneira
totalmente inusitada. Ao invés do movimento rápido típico da forma sonata
rápido-lento-rápido, ele coloca o adagio no início, o alegre emendado nesse e
termina num prestíssimo. Considerada a música mais popular de Beethoven, por integrar
incansavelmente as coleções do tipo “clássicos para milhões”, mais precisamente
o 1º movimento, que é o realmente popular, está cercado de polêmicas desde que
os românticos romantizaram tudo!
E a deformação começou depois da morte de Beethoven, quando
o crítico e poeta alemão Ludwig Rellstab que apôs à sonata o título “Ao Luar”
porque o adagio sostenuto lhe lembrava a luz da lua se espelhando na superfície
do Lago Lucerna na Suíça.
A polêmica começa na indicação feita pelo próprio Beethoven
sobre como ele queria que o adagio fosse tocado: “Si deve suonare tutto questo
pezzo delicatissimamente e senza sordino”. Que em português quer dizer mais ou
menos assim: “Se deve tocar toda essa parte com extrema delicadeza e sem
surdina”. Traduzindo em miúdos, significa que Beethoven queria que o executante
não aliviasse o pé do pedal de sustentação ao longo de todo o primeiro
movimento.
O pensamento vigente alega que isso é impossível de ser
feito no piano moderno porque resultaria em dissonâncias bastante desagradáveis.
Portanto, os professores propugnam aos seus alunos limparem o pedal a cada
mudança harmônica.
Mas a pergunta que fica é: Beethoven tinha em mente uma
melosa “sonata ao luar” ou visava algo totalmente diferente? Quando a indicação
é seguida ao pé da letra, desvanecem-se quaisquer reminiscências românticas,
pois soa rude, selvagem. Ao não se limpar o pedal de sustentação, o adagio
assume a característica de música tocada dentro de um túnel. À medida em que as
sonoridades vão se somando e se embolando e criando as temidas dissonâncias,
cria-se uma atmosfera meio fantástica, surreal, fúnebre, bem distinta das
fisgadas secas obtidas com cravos da época do mestre.
Apesar do consenso unânime, alguns bravos guerreiros
insistem em se rebelar contra o ranço acadêmico e nos brindam com
interpretações que contradizem o apelido “ao luar” dado pelo imaginoso crítico
alemão.
Trarei a seguir a interpretação “senza sordino” em dois
diferentes tipos de instrumentos para fins de comparação. Comecemos pelo
Fortepiano, o instrumento da época de Beethoven, podemos notar que os abafadores
não retornam ao longo de todo o movimento pela imobilidade do joelho, já que a
alavanca de sustentação é acionada com o joelho neste tipo de piano.
Fortepiano
Piano moderno de concerto
O virtuose e professor Andras Schiff propugna uma visão
completamente diferente deste movimento. Ele toca o adagio ao estilo de prelúdio
bachiano, seguindo a indicação “adagio alla breve”, ou seja, interpreta como andamento
bem mais rápido do que o usualmente adotado.
As palavras de Andras Schiff proferidas num Master Class sobre
a Sonata Opus 27 número 2 desmontam o argumento de que enfiar o pedal e não
tirar mais ao longo de todo o adagio sostenuto não pode ser feita no piano
moderno por causa da ressonância excessiva. Ele enfatiza que conhece bastante o
Fortepiano Broadwood (o mesmo que pertenceu a Beethoven e gravou nele), e que
as dissonâncias deste tipo de instrumento são exatamente as mesmas. Antes, apreciemos a sua versão e depois do vídeo, transcrevo as suas palavras.
“In his
c-sharp minor sonata Op.27 Nr.2 the entire first movement is to be played
“senza sordini”, with raised dampers (with pedal).
The effect
is magical, the harmonies are washed together, creating sonorities that are
truly revolutionary.
It would be
reasonable to assume that pianists would follow what the composer had asked
for; after all Beethoven was quite a decent musician and he certainly knew what
he wanted. Wishful thinking, since in fact ninety-nine per cent of them fully
ignore the creator’s instructions and diligently change the pedal at every
change of harmony. WHY? Because, they argue, this effect would have sounded
different on Beethoven’s fortepiano than it does on its modern successor. Have
these people played on Beethoven’s Broadwood? No, they certainly haven’t but
they pretend to know . Well, I beg to differ because I’ve played and recorded
on it. The sound, the volume and the mechanics may be different but the actual
musical idea is exactly the same. A dissonance remains a dissonance, regardless
of the instrument.”Testemunho de Andras Schiff
Já que estamos discutindo aqui sobre a verdadeira intenção
subintendida na escrita do adagio sostenuto, alguns pianistas fazem verdadeiras
fuzarcas neste movimento e não é só o Glenn Gould que suprime o sostenuto e
agita o adagio! Vejamos o que faz a pianista HJ Lim em cima dos famosos arpejos.
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sobre o assunto: Moonlight
Trapped in the Sonata Form?
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