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16 de jul. de 2015

Quem tem medo de enfiar o pedal e não tirar mais no 1º mov. da Sonata ao Luar?


Beethoven começa a sua sonata Opus 27 número 2 de maneira totalmente inusitada. Ao invés do movimento rápido típico da forma sonata rápido-lento-rápido, ele coloca o adagio no início, o alegre emendado nesse e termina num prestíssimo. Considerada a música mais popular de Beethoven, por integrar incansavelmente as coleções do tipo “clássicos para milhões”, mais precisamente o 1º movimento, que é o realmente popular, está cercado de polêmicas desde que os românticos romantizaram tudo!

E a deformação começou depois da morte de Beethoven, quando o crítico e poeta alemão Ludwig Rellstab que apôs à sonata o título “Ao Luar” porque o adagio sostenuto lhe lembrava a luz da lua se espelhando na superfície do Lago Lucerna na Suíça.

A polêmica começa na indicação feita pelo próprio Beethoven sobre como ele queria que o adagio fosse tocado: “Si deve suonare tutto questo pezzo delicatissimamente e senza sordino”. Que em português quer dizer mais ou menos assim: “Se deve tocar toda essa parte com extrema delicadeza e sem surdina”. Traduzindo em miúdos, significa que Beethoven queria que o executante não aliviasse o pé do pedal de sustentação ao longo de todo o primeiro movimento.

O pensamento vigente alega que isso é impossível de ser feito no piano moderno porque resultaria em dissonâncias bastante desagradáveis. Portanto, os professores propugnam aos seus alunos limparem o pedal a cada mudança harmônica.

Mas a pergunta que fica é: Beethoven tinha em mente uma melosa “sonata ao luar” ou visava algo totalmente diferente? Quando a indicação é seguida ao pé da letra, desvanecem-se quaisquer reminiscências românticas, pois soa rude, selvagem. Ao não se limpar o pedal de sustentação, o adagio assume a característica de música tocada dentro de um túnel. À medida em que as sonoridades vão se somando e se embolando e criando as temidas dissonâncias, cria-se uma atmosfera meio fantástica, surreal, fúnebre, bem distinta das fisgadas secas obtidas com cravos da época do mestre.

Apesar do consenso unânime, alguns bravos guerreiros insistem em se rebelar contra o ranço acadêmico e nos brindam com interpretações que contradizem o apelido “ao luar” dado pelo imaginoso crítico alemão.

Trarei a seguir a interpretação “senza sordino” em dois diferentes tipos de instrumentos para fins de comparação. Comecemos pelo Fortepiano, o instrumento da época de Beethoven, podemos notar que os abafadores não retornam ao longo de todo o movimento pela imobilidade do joelho, já que a alavanca de sustentação é acionada com o joelho neste tipo de piano.

Fortepiano

Piano moderno de concerto
O virtuose e professor Andras Schiff propugna uma visão completamente diferente deste movimento. Ele toca o adagio ao estilo de prelúdio bachiano, seguindo a indicação “adagio alla breve”, ou seja, interpreta como andamento bem mais rápido do que o usualmente adotado.
As palavras de Andras Schiff proferidas num Master Class sobre a Sonata Opus 27 número 2 desmontam o argumento de que enfiar o pedal e não tirar mais ao longo de todo o adagio sostenuto não pode ser feita no piano moderno por causa da ressonância excessiva. Ele enfatiza que conhece bastante o Fortepiano Broadwood (o mesmo que pertenceu a Beethoven e gravou nele), e que as dissonâncias deste tipo de instrumento são exatamente as mesmas. Antes, apreciemos a sua versão e depois do vídeo, transcrevo as suas palavras.

“In his c-sharp minor sonata Op.27 Nr.2 the entire first movement is to be played “senza sordini”, with raised dampers (with pedal).
The effect is magical, the harmonies are washed together, creating sonorities that are truly revolutionary.
It would be reasonable to assume that pianists would follow what the composer had asked for; after all Beethoven was quite a decent musician and he certainly knew what he wanted. Wishful thinking, since in fact ninety-nine per cent of them fully ignore the creator’s instructions and diligently change the pedal at every change of harmony. WHY? Because, they argue, this effect would have sounded different on Beethoven’s fortepiano than it does on its modern successor. Have these people played on Beethoven’s Broadwood? No, they certainly haven’t but they pretend to know . Well, I beg to differ because I’ve played and recorded on it. The sound, the volume and the mechanics may be different but the actual musical idea is exactly the same. A dissonance remains a dissonance, regardless of the instrument.”Testemunho de Andras Schiff

Já que estamos discutindo aqui sobre a verdadeira intenção subintendida na escrita do adagio sostenuto, alguns pianistas fazem verdadeiras fuzarcas neste movimento e não é só o Glenn Gould que suprime o sostenuto e agita o adagio! Vejamos o que faz a pianista HJ Lim em cima dos famosos arpejos.

Lei mais sobre o assunto: Moonlight Trapped in the Sonata Form?

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