Ela funciona como uma espécie de “alto-falante” do piano,
desempenhando o papel de transdutor, ou seja, convertendo a energia mecânica
vibracional produzida pelas cordas em som. Para cumprir este papel, a tábua
harmônica tem que apresentar várias propriedades bastante interessantes: caprichoso
equilíbrio entre flexibilidade e rigidez (stiffness), robustez e resistência à
deformação.
Estruturalmente, a tábua harmônica é uma grande membrana de
madeira, cujo desenho caracteristicamente curvilíneo nos pianos de cauda e
retangular nos pianos verticais, é definido pela forma da chapa (plate).
Tradicionalmente, a tábua harmônica é fabricada usando-se tiras de madeira de
fibras longas unidas entre si por um processo meticuloso de colagem, mas a sua
constituição poderia ser de outro material, como por exemplo, fibra de carbono.
O piano Steingraeber/Phoenix
usa este material.
Para quem possui um piano, ou não, e tem curiosidade sobre
as peculiaridades desse magnífico instrumento e, principalmente, para quem
pretende comprar um ou trocar o seu, é importantíssimo conhecer minuciosamente
tudo acerca dessa peça, que pode ser definida como a alma do piano, pois é a
responsável pela “impressão digital” do instrumento: o timbre único de cada
peça construída, pois em virtude das inúmeras variáveis existentes ao longo da
fabricação da tábua harmônica, não há no universo dois pianos com som idêntico.
O misterioso coroamento
Como foi dito acima, a tábua harmônica deve funcionar como
um alto-falante. Entretanto, enquanto ela estiver na posição plana original não
servirá para produzir som. Por isso, antes de ser instalada no piano, a tábua
harmônica deve ser submetida ao processo de coroamento (crowning) que consiste
em encurvar a peça de tal maneira que ela possa suportar a tensão que as cordas
exercerão sobre a sua superfície (downbearing).
Desenho: The Soundboard
Há dois métodos de coroamento:
Coroamento por compressão (compression-crown method): quando
as fibras da madeira são deformadas por ação de pressão em presença de umidade.
É interessante notar que neste processo as Ripas (Ribs) são primeiramente
coladas retas e curvadas conjuntamente com a tábua harmônica durante a
compressão.
Coroamento por Ripas (rib-crown method): neste caso as
fibras da madeira não sofrem alterações na sua estrutura física e a curvatura
fica por conta da colagem da tábua feita em cima das ripas previamente
encurvadas.
Alguns pianos que visam altíssima performance, tipo o
Steinway e outras marcas de 1ª linha, usam o coroamento por compressão. Só que
tem um detalhe, quando você compra um Steinway usado, deve se preocupar muito
com o estado da tábua harmônica, pois ao longo do tempo a coroa obtida por
compressão tende a diminuir e até desaparecer.
Este vídeo ilustra a construção da tábua harmônica:
Adelgaçamento da Tábua Harmônica (Tapered soundboard)
Alguns modelos de pianos são equipados com tábuas harmônicas
adelgaçadas nas extremidades. Na prática, elas são mais grossas no centro, com
espessura de aproximadamente 9 mm e nas extremidades medem cerca de 5 mm. Este
tipo de processo visa dotar o piano de som mais cantante e sustentado, já que
aumenta a flexibilidade da tábua nos pontos de fixação junto ao corpo do piano.
Tipos de Tábua harmônica
Madeira maciça (solid spruce): o grande diferencial alegado
pelos fabricantes de piano não passa de uma mentira deslavada. Nenhuma tábua
harmônica de piano é feita, e talvez nunca tenha sido, de peça inteiriça de
Abeto (Spruce), já que as antigas árvores Abeto alpino medindo dezenas de metros
de diâmetro foram extintas há muito tempo. Conforme mostra a imagem abaixo, as
tábuas harmônicas feitas alegadamente de “solid spruce” são constituídas de
tiras de madeira encaixadas e coladas.
Laminada (laminated): a grande polêmica existente no reino
dos pianos se dá em torno da questão das Tábuas Harmônicas “maciças” versus as
constituídas de 3 camadas: um cerne de Abeto (Spruce) idêntico ao descrito
acima, ao qual são coladas nas duas delgadas camadas de revestimento (veneer)
feitos da mesma madeira.
Detalhe do corte de uma tábua harmônica laminada de 3 camadas: note as fibras características da madeira Spruce (Abeto) na camada do meio.
Linhas esquemáticas demonstrando a disposição interna das ripas constituintes do cerne das tábuas harmônicas laminadas.
Quais são os motivos que levam à adoção das TH laminadas? Certamente, a redução de custos sempre está em primeiro lugar, pois o processo fabril envolvido na produção de tábuas laminadas é mais padronizável, apresentando, portanto, maior relação custo/benefício ao fabricante. Por isso, a grande maioria dos pianos japoneses, indonésios, coreanos, chineses e do leste europeu é equipada com tábuas harmônicas laminadas.
Há benefícios para o pianista? Sob a perspectiva da qualidade
sonora, os atuais processos industriais nivelaram tanto os dois tipos, que não
percebemos mais diferenças timbrísticas significativas. A principal vantagem
para o consumidor trazida pelas tábuas laminadas, além do custo relativamente
menor, fica por conta do afastamento do risco de aparecimento das indesejadas
rachaduras que costumam surgir nas tábuas harmônicas denominadas “sólidas”.
As trincas podem ser provocadas tanto por falhas na
fabricação, quanto por variações bruscas de temperatura e umidade, que ocorrem
necessariamente em ambiente doméstico. De qualquer forma, cedo ou tarde os
pianos “solid spruce” vão apresentar rachaduras, no caso deste camarada elas
aconteceram num piano de cauda novo com 1 mês de uso!
Tábua Harmônica de Compensado (plywood soundboard): a lenda
reza que existem pianos de baixo custo equipados com tábuas harmônicas feitas de
compensado, uma placa constituída de várias camadas de madeiras baratas. No entanto, se você
pesquisar na internet, descobrirá que não existe um único caso documentado. E a
razão é muito simples, caso um fabricante lançasse mão de uma chapa de
compensado comum, ela não soaria nem com banda de música e, provavelmente,
teria a sua estrutura irremediavelmente comprometida no momento em que fosse
submetida à extrema pressão exercida pelas cordas.
Sobre o mito das tábuas harmônicas de compensado, o famoso
projetista e restaurador de pianos Delwin D. Fandrich se pronuncia assim:
In modern usage the word “plywood”
almost always refers to a wood panel made up of an unequal number of wood
laminae of more-or-less equal thickness that are alternately aligned at 90°
angles. These panels are quite stiff in both directions. Panels of this
construction do not work well as piano soundboards for a number of reasons.
The modern laminated soundboard panel
is nothing like this at all. The core is typically quite thick and the two
outer laminae are relatively thin. The outer laminae are typically aligned at
a30° to 15° angle to the core. The stiffness characteristic of the completed
laminated panel is not that much different than a solid panel of equal grain
density and thickness. As a soundboard diaphragm the two—standard plywood
construction and the modern laminated soundboard panel—could not be much more
different.
Tradução: “o termo compensado (plywood) usado atualmente se refere a um painel feito de madeiras diferentes coladas em camadas
mais ou menos iguais alinhadas em ângulos de 90º graus. Como tal painel
apresenta grande rigidez em ambas direções, ele não se prestaria para a produção de som
por vários motivos.
O conceito subjacente à tábua
harmônica laminada nada tem a ver com isso. O cerne é constituído de ripas de
madeira dispostos (da mesma maneira que no “solid spruce”), enquanto as lâminas
de revestimento são bem mais finas, inclinadas em ângulos de 30º a 15º em
relação ao centro. A rigidez resultante do painel laminado não é muito
diferente do painel dito sólido de igual densidade e espessura. Assim, quanto ao desempenho da função de diafragma, uma simples chapa de compensado e outra de madeira revestida projetada especificamente para ser tábua harmônica não poderiam ser mais diferentes.”
Outro argumento que desmonta o mito do uso de compensado comum em tábuas harmônicas é a
espessura requerida para que este componente desempenhe o seu papel de
transdutor: de 9 mm a 5 mm. Que ganho prático teria alguém em confeccionar
um compensando tão fino, quando se sabe que a grande vantagem deste tipo de
madeira é a obtenção de peças grossas e resistente a partir de variedades de madeiras de baixo custo?
Devido à característica da robustez, o compensado é bastante usado na confecção do cepo (pinblock), composto de 15 a 18 camadas coladas de
madeiras duras, condição imperativa para se obter a fixação das cravelhas
e a consequente sustentação da afinação.
Só para deixar claro, as posições
sobre o tema assumidas pelo especialista Delwin D. Frandrich são no sentido de
aprovar integralmente as tábuas harmônicas laminadas e até preferi-las em seus
projetos de escalas e restaurações.
Para ilustrar, tirei uma foto em
macro de um dos pontos em que a tábua harmônica laminada do meu piano é
trespassada pelo parafuso da chapa (vista de baixo - visão geral na 1ª foto da página), onde se pode ver claramente as três camadas
de Abeto: as duas camadas de revestimentos externos e as fibras longas,
características desta madeira, visíveis no “recheio do sanduiche”.
A propósito de o meu piano ser um
Hilun HG-178, encontrei este interessante debate ocorrido no fórum Piano World
sobre o uso de Tábuas Harmônicas laminadas:
Outra discussão que aborda extensamente a polêmica do uso de “Plywood” em tábuas harmônicas pode ser acessado aqui:
Leia também neste Blog:
Ótimas e preciosas informações sobre ténicas e material usados na fabricação de pianos, ainda tão desconhecidas por tantas e tantas pessoas, inclusive profissionais.
ResponderExcluirmuito bom
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