Vivemos sob a égide da fragmentação, onde tudo se reduz às
partes e praticamente o todo é relegado a segundo plano. Por isso Angelina
Jolie é lábios, Ângela Bismachi é lábios (pequenos), Sheyla Hershey é
peitos, Jennifer Lopez é bunda e assim por diante.
Por isso se espalham blogs especializados em partes, bundas,
pés, peitos, vaginas, barrigas, ânus, por isso a indústria pornográfica fatura
alto, quando reduz o foco de atenção à macro das partes que se interpenetram em
ritmo alucinante de 24/7.
Em meio à supremacia da parte sobre o todo, as pessoas
correm para realçar os seus componentes tidos como fracos, feios, pequenos,
caídos, emurchados, etc., pois só valorizamos panturrilhas batatudas, peitorais
protuberantes, bíceps estourando, abdomens definidos, lábios entumescidamente “jolísticos”.
Não queremos mais pelos porque eles remetem à intimidade,
porque eles mascaram a nudez, que deve brilhar em cena com a crueza de açougue,
obscena. Não pode haver instância mediadora entre a parte cobiçada e o olho que
não quer ser alijado pelo véu da última fronteira. Por isso a Ângela Bismarchi retira
nacos e mais nacos de carne dos seus pequenos lábios, já que se por um lado a
sua anatomia insiste em lhe equipar com flores demasiadamente petalosas, por
outro a moda é ostentar uma vulva de menina, um mero racho descabelado, pois nem só
de gigantismo vive a parte, como também do desenho corporal imaturo próprio das
crianças.
Caso fosse possível montar um ser humano andrógino com todas
as partes adaptadas ao gosto atual, teríamos um monstro de lábios extremamente carnudos,
pequenos lábios vaginais diminutos, seios grandiloquentes, pele-cor-de-abóbora,
panturrilhas redondas, bundas mamárias? Talvez o indivíduo que reunisse todas
as partes ideais não fosse o paradigma viável para encarnar o ideal de beleza,
mas serviria para demonstrar o quanto estamos errados em confinar a nossa noção
estética à exiguidade da parte.
Enquanto esta moda não passar, os cirurgiões plásticos
estarão atolado$ na tarefa de esculpir partes perfeitas em corpos pra lá de imperfeitos, enquanto isso o pessoal do pornô continuará explorando exaustivamente em
macro as exiguíssimas partes copulatórias, num rito sumário representativo da
nossa percepção que se obstina em desdenhar o espírito por trás das aparências.
Nenhum comentário:
Postar um comentário