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18 de jun. de 2011

Morrer ou não morrer aos cinquenta e um? Eis a questão.

Dias atrás me chamou atenção uma notícia que falava sobre um cidadão encontrado caído na rodovia com traumatismo craniano.* O mais bizarro era que a filha do sujeito e o motorista da ambulância (enquanto faziam festa no banco da frente) nem se deram conta de que o infeliz fora ejetado para fora da Doblô durante o trajeto, e só descobriram a ausência quando chegaram na residência.

Uma vez, um conhecido desabafou quando fez cinquenta anos: “já vivi tudo o que tinha de viver, deu pra mim”. Dois anos depois ele estava morto, claro, com uma pequena ajudinha do tabagismo pesado, do alcoolismo inveterado e do absoluto desleixo com a saúde (os que percebiam a sua respiração estertorosa não podiam duvidar que o seu fim estava próximo).

Assim, se as pessoas morrem aos vinte e pouco como super-heróis enlouquecidos no trânsito, aos vinte e seis os astros do rock sucumbem anarquizados pelas drogas, aos trinta, espatifados nos esportes radicais e aos quarenta vitimados por algum problema fulminante de saúde, diferentemente, os quinquagenários se veem arrasados pela depressão galopante, coisa que os embreta num cansaço sem fim pela vida afora.

O achado literário que enfeixa perfeitamente todas essas vicissitudes é a passagem do livro “O Náufrago” em que o personagem remói convulsivamente a crueza do fato de ser o único sobrevivente do grupo de três amigos quinquagenários. Ainda mais porque o sobrevivente do naufrágio metafórico não se sente lá muito feliz por lhe ter cabido o papel de narrador:

“Quando passamos dos cinquenta, nós nos vemos como pessoas vis, sem caráter; a questão é quanto tempo suportamos essa situação. Muitos se matam aos cinquenta e um, pensei. Aos cinquenta e dois também, mas mais aos cinquenta e um. Nesse quinquagésimo primeiro ano, tanto faz se se matam ou se morrem de morte natural, como se diz; tanto faz se morrem como Glenn ou como Wertheimer. A causa é com frequência a vergonha da fronteira ultrapassada que sente o quinquagenário ao completar cinquenta anos. E isso porque cinquenta anos são mais do que suficientes, pensei. Nós nos tornamos vis quando ultrapassamos os cinquenta e continuamos vivendo, existindo. Somos covardes atravessadores de fronteiras, pensei, que nos fazemos duplamente deploráveis quando passamos dos cinquenta. Agora sou o desavergonhado, pensei. Senti inveja dos mortos. Por um momento, odiei-os por sua superioridade.”**

Recomendo a leitura deste livro, que é uma remoência interior exaustiva, onde se sintetiza o périplo do ser abismado com as consequências das próprias escolhas e a paralisia resultante sob o acachapante peso do porvir.

*Paciente de 51 anos que caiu de ambulância no interior de SP está na UTI.

**O Náufrago. Autor: Thomas Bernhard, páginas 34, 35 – Companhia das Letras, 2ª edição.

4 comentários:

  1. Por mim, a pessoa deveria ter o direito de viver...e de morrer qundo ela quer,embora sempre digam q todo desejo de morrer eh uma doença a ser tratada....será?

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  2. É no mínimo egoísmo achar que tem direito de morrer. Como se os amigos, parentes, cônjuge, fossem objetos sem coração.

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  3. eu hein...
    quero mais é me aposentar do funcionalismo publico aos 50 e curtir pelo menos uns 15 nas costas do estado... se pá, arrumo um trampinho só pra ter algo pra fazer.. coisa leve.. afinal.. passei 30 anos aguentando "alguns" governos e suas mordomias...

    é isso aí... posso ter sido profissionalmente frustrado, mas... quando a aposentadoria chegar (daqui menos de 8) estarei realizado como brasileiro.. aí. é só curtir !!

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  4. Eu acho que ao invés de morrer, a pessoa que trabalho 30 anos pudesse se aposentar aos 50 com todos os direitos e mais um pouco.... isso que é triste!

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