É sabido que o povo gaúcho é o campeão nacional de ataques
cardíacos e suspeito que um dos fatores determinantes seja o hábito disseminado
do churrasco, feito à base de carne extremamente salgada e gorda em quantidades
altamente generosas.
Primeiramente vejamos o que algumas civilizações cima do Rio
Pelotas concebem como “churrasco”:
- catarinas: servem uma chuleta e está pronto, você tem o
seu churrasco querendo mais ou não;
- paulistas: eles chamam de churrasco bife na chapa, o que
para um gaúcho é a maior heresia da paróquia, além disso, eles não prescindem
de acompanhamentos vegetais, queijo, pão, etc., o que transforma os paulistas
em vegetarianos na visão gaúcha;
- mineiros: eles se limitam àquilo que chamamos de
tira-gosto, ou seja, assam uma quantidade de carne ínfima (nos nossos
conceitos) e os comensais ficam saboreando em pé as tirinhas até acabarem,
então está terminado o churrasco mineiro.
- cariocas: lá é o famoso churrasco de gato que impera, isto
é, pedaços de carne no palito e você tem sorte quando o gato é siamês;
- churrasco gaúcho: um espetáculo pantagruélico que começa
com o tira-gosto mineiro e termina nababescamente na mesa. Só que o gaúcho nunca
se contenta apenas com carne de gado, por isso apela para o salsichão, galeto,
costela de porco, cebola, pão com alho, etc. Detalhe: os múltiplos espetos são
servidos várias vezes nas mesas até que as pessoas se estufem, quando aparece o
famoso “esperto do cozinheiro”, quando as pessoas sempre dizem: “agora vou
alimentar a gula”.
Como gaúcho, confesso que nunca tive estrutura anímica para aguentar
tamanha canibalidade, todavia, aqui no RS todas os eventos sociais e familiares
acabam invariavelmente em churrasco, nos moldes descritos acima. Então era
preciso que déssemos um basta aos rituais não só em nome da saúde, como também
da ecologia, pois a agropecuária é uma das atividades antropológicas mais devastadoras dos ecossistemas frágeis.
Por isso, eu e a minha mulher elaboramos 7 compromissos que
os nossos candidatos a anfitriões* tem que se enquadrar para que possam se
dignar a ter a nossa augusta presença nos seus eventos:
1- Limitação de no máximo 200 gramas de carne por pessoa
Segundo a OMS, a quantidade máxima recomendável de ingestão
de carne vermelha por pessoa é tão somente 400 gramas por semana. Ora, os
gaúchos tradicionalmente calculam 500 gramas por pessoa por churrasco! Não é à
toa que morremos tanto de ataque cardíaco!
2- Assinar um termo se comprometendo a não comer carne
vermelha ao longo do resto da semana
As pessoas defendem a abundância de carne dizendo que
aproveitam as sobras no outro dia para fazer carreteiro. Ora, não seria melhor
somente consumir a quantidade justa visando tão somente suprir o corpo com a
quantidade necessária de proteína? Sabe-se que os churrascos são desnutrientes,
pois devido ao excesso de proteínas, o corpo dispende energia nos próximos dias
apenas para se livrar das toxinas.
3- Não pode haver nenhum tipo de bebida alcoólica ou
refrigerante
Condição inegociável: não gostamos de assistir ao espetáculo
deprimente dos bêbados, nem tampouco dos obesos se chapando com a tonelagem de
açúcar dos refrigerantes.
4- Não pode haver “cemitério”
No RS, além do fato de sermos carnívoros glutões, somos
esbanjadores, pois costumamos colocar muita carne fora. Explico, devido ao
grande excesso (lembre que a ração é de ½ quilo por pessoa!) as pessoas rejeitam
facilmente pedaços que elas consideram nervosos demais, gordurosos demais,
ossudos demais e até frios demais. Então, vão se formando os chamados “cemitérios”
dos rejeitos, que são pratos onde os dejetos começam a ser depositados.
A exemplo do churrasco catarina, se houver a quantidade de
carne justa para cada pessoa, certamente sobrarão apenas os ossos raspados e é
assim que deveria ser numa atitude ecologicamente correta.
5- A carne não pode conter sal
O consumo exagerado de sal entre os gaúchos é uma verdadeira
filosofia de vida. Em conformidade com ela, os espetos de carne são cobertos de
quilos de sal grosso. Consequentemente, exigimos que não usem sal nem na nossa
carne e nem em todo o resto, pois nas vezes em que eles nos reservaram um
espeto sem sal, a nossa carne acabou sendo a mais salgada de todas devido ao fato
do sal saltar dos outros espetos durante o processo de cozimento.
6- Não pode haver porco
Somos totalmente contra o consumo de carne de porco, de
longe a mais indigesta e contaminada (vide casos de cisticercose provocados por consumo de carne de porco), ademais, não
suportamos o cheiro nauseabundo que os derivados de suínos exalam.
7- O fogo não pode ser com carvão, tem que ser com lenha
Geralmente os gaúchos preferem o carvão devido à praticidade,
porém, sobre ele recaem algumas suspeitas: terá sido realmente proveniente de
acácias ou eucalipto? Sabemos que o carvão obtido de restos de madeira tratada
pode trazer sérios riscos à saúde e inclusive provocar a morte.
Pergunte-nos se seremos convidados depois de tais imposições! O sogro já avisou que a nossa presença é opcional, ao que retrucamos que, contrariamente, as nossas exigências são obrigatórias.
* raras vezes patrocinamos/fizemos um churrasco, na verdade uma. Nem temos churrasqueira na nossa casa, para que os amigos e familiares não venham com ideias.
Isaías,
ResponderExcluir1. O churrasco carioca não é só feito de carne de gato, siamês ou não. Tem também asa de frango, pão com alho, linguiça (de frango ou de porco), coração de galinha e, em alguns casos, fígado de frango também. Após, rola um abaxaxi na brasa ou uma banana assada, que será servida com bolas de sorteve.
2. Para de frescura e não queira mudar o que a tradição tem como o bem mais sagrado na tua terra.
3. O melhor a fazer - no teu caso - é ir para um rodízio de sopa. Ou de salada!
Punto i basta!
Critico os rodízios também, eles são um monumento à cultura do desperdício.
ResponderExcluirSem contar os milhares de litros de água que a indústria do abate de bovinos e cia consomem. Dava para encharcar um deserto.
ResponderExcluirO meu pré-requisito para participar de churrasco é não ter carne.
Tem um monte de gente que já se conscientizou da tragédia ecológica que é a criação de gado e está optando pelo pré-requisito nº 1: eliminar a carne de gado do cardápio. A sua saúde agradece.
ResponderExcluirGostei muito do texto. Explicativo e me fez entender um pouco da cultura do sul do País. Bom saber também que há quem se preocupe com os estragos que causam ao nosso meio ambiente.
ResponderExcluirva se lascar corno e tome um chimarrão com um amigo bem abraçado
ResponderExcluir