O principal deles é o engenhoso sistema de escape criado
originalmente por Cristofori e aperfeiçoado posteriormente por Sébastien Erard,
que libera o martelo imediatamente após o tangimento da corda,
independentemente do comando do pianista, pois de outra forma, se o martelo
permanecesse mais tempo encostado na corda, certamente produziria ruídos
desagradáveis e agiria como um abafador. Assim sendo, se o pianista não tem quase
nenhum controle sobre a atuação do martelo, por que há grandes gênios do
teclado reverenciados por todos, enquanto inúmeros outros tocadores anônimos jamais
ultrapassarão a mediocridade?
No piano, a mecânica serve para tanger o martelo contra as
cordas até o mecanismo de escape devolver-lhe à posição de repouso. No momento
em que o escape entra em ação, o martelo cai pela ação da gravidade (nos pianos
de cauda). Neste curto período de tempo, os dedos do executante não têm a menor
possibilidade de interferir no processo. Contudo,
os grandes virtuoses costumam deslizar, massagear e tremular os dedos sobre as
teclas como se isso pudesse de alguma maneira alterar o som. Será que algo
espetacular é gestado nas entranhas do piano, ou é pura crendice?
Mesmo que o ouvido tenha dificuldades de discernir certos
fenômenos que ocorrem em intervalos de minutos, ele é altamente sensível a
pequenas e sucessivas variações de duração e intensidade* feitas em tempos muito curtos. Consequentemente, apesar do hiato de controle provocado pela ação
do mecanismo de escape, sutis alterações podem ser produzidas no curto instante
em que o pianista possui pleno controle sobre o martelo. A habilidade de operar
tais modificações é um dos fatores que diferencia o grande pianista do amador.
Recentemente, análises computacionais confirmam o que os
fabricantes de rolos de piano das antigas pianolas já sabiam, que os grandes
virtuoses imprimem as suas próprias "impressões digitais" no modo como
tocam, curiosamente, num instrumento que não permite o acesso direto às cordas.
Não obstante tais limitações intrínsecas, o pianista Glenn Gould desenvolveu um toque tão pessoal,
que pode ser facilmente reconhecido por um ouvinte atento que tenha se
escutado um tanto das suas gravações.
Naturalmente, tal capacidade de produzir um toque pessoal e
único requer uma extraordinária acuidade muscular que permita um grande
controle sobre a pressão e velocidade dos martelos, para que sejam produzidos
cerca de quinhentos diferentes níveis resultantes da combinação dessas duas
variáveis, em aproximadamente meio milissegundo, ou menos. Mesmo que conheçamos
a fórmula empregada pelos gênios, é impossível reproduzi-la sem possuir
efetivamente o restante dos atributos.
*Certamente, as variáveis imbricadas no piano não se reduzem
a duas, uma vez que podemos nos socorrer da mudança de coloração tonal, e modular a ressonância através do pedal de sustentação.
Contudo, para nos cingirmos ao nosso estudo, consideramos apenas duração e intensidade.
Referência:
Nenhum comentário:
Postar um comentário