No princípio era o cravo e depois veio o pianoforte do
italiano Bartolomeu Cristofori, que acreditava-se no apogeu do romantismo, acabaria
com o canto da antiga musa. De fato, a decadência e praticamente extinção do cravo se estendeu até o nascer das luzes do século XX.
Com a ressurreição do cravo perpetrada pelo gênio rebelde da cravista polonesa Wanda Landowska, hoje
sabemos que não podemos prescindir desse antigo instrumento e seu delicado timbre metálico, assim como não podemos abrir mão da ressonância monumental do piano moderno.
Como a minha educação musical já superou a esfera das
coleções dos mestres da música, me dou ao luxo de colecionar diversas versões
das mesmas obras (e por que não?), interpretadas com instrumentos de tecla de
épocas diferentes.
O fato de ter aprendido a “ouvir” o cravo concedeu-me o
poder de aproveitar o melhor de cada mundo. Para ilustrar a questão, nada melhor do
que o exemplo notável do Concerto em Ré Maior número 9, Opus III, para Violino
de Antonio Vivaldi (RV 230), tocado aqui na sua forma original pela célebre orquestra
Europa Galante sob a regência e solo de violino de Fabio Biondi.
Mais especificamente, dos três movimentos, Allegro, Larghetto,
Allegro, vou me ater apenas ao Larghetto devido à sua potencialidade
expressiva.
Ora, o Grande Johann Sebastian Bach transcreveu o concerto
RV 230 para instrumento de tecla, que podemos ouvir aqui sob a interpretação do cravista Hans Ludwig Hirsch, aliás, uma bela intepretação que explora com maestria a textura delicada
conferida pelo teclado superior desse belo instrumento.
O que acontece quando um instrumento percutido como o piano
moderno é tocado à moda do cravo, sem a exploração da essência pianística, que é
a extensão dinâmica entre o pianíssimo e o fortíssimo? Neste caso, o piano
se aproxima do cravo, mas a um custo enorme, já que a qualidade ressonante joga contra.
A interpretação “quadrada” utilizada pelo pianista Cory Hall
no Larghetto, tocada dessa maneira com fim didático, serve perfeitamente para
demonstrar o quanto um Steinway pode soar ruim se tocado à maneira do
cravo, sem a exploração da sua amplitude dinâmica.
Nessa apresentação ao vivo do regente e pianista ucraniano Boris Bloch,
assistimos o pleno uso dos recursos expressivos do piano moderno, que mesmo aplicados
a uma peça barroca – período tido pelos puristas como refratário a arroubos
românticos, não se pode simplesmente abstrair os recursos que constituem a excelência do piano.
A resultante dessa carga expressiva é o enlevo transcendental
do pianista, fato que nos evoca a indagação do quanto Bach teria repensado a
sua obra se tivesse tido acesso aos impressionantes recursos tonais do moderno piano
de concerto.
Não acredito não! Lá vem você com negócio de piano de novo!
ResponderExcluirCara você tem problema sérios! Vá se tratar!