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19 de abr. de 2011

A maldição de todo o humano ser.

Ao contrário da inversão lúdica operada no roteiro do filme "O Curioso Caso de Benjamin Button", todo o ser humano acaba sendo inexoravelmente devorado pela própria decrepitude.

Qual é o sentido maléfico em tudo isto? Obrigar uma pessoa a ter cada vez mais experiência, na mesma medida em que vai definhando? Deus seria tão implacável, mesmo do alto da sua infinita misericórdia?

Tudo indica que a existência não é construída para atender ao hedonismo crescente mas, justamente, para apascentá-lo e mitigá-lo ao longo dos anos. Ora, se não nascemos com a vocação para o prazer cada vez mais voluptuoso, o que preenche os vazios semeados pelas limitações da idade?

Aparentemente, a natureza se regozija com a torturante queda no abismo das perdas físicas e mentais, ou há algo mais neste jogo cósmico vicioso? Para resolver este enigma, temos que lançar mão do conceito da dualidade corpo-alma, tão caro à Descartes. Se efetivamente podemos ser reduzidos à dimensão da matéria que nos compõem, então, temos que admitir um certo sadismo divino em contemplar as suas criaturas se depauperando até a morte.

Por outro lado, se o total daquilo que somos extrapola à soma dos nossos “ingredientes”, então a dualidade se justifica, pois há um ser, algo que anima todo o périplo e persiste além dele. Ora, a única homenagem justa a esta alma seria que ela se impregnasse enquanto se “desvestisse” paulatinamente das suas indumentárias. Com isto, temos que chegar obrigatoriamente ao velho e pisado jargão: qual é o alimento da alma? Naturalmente, é o conhecimento.

Se não fosse em nome do conhecimento, não haveria lógica em “descamar” o sujeito de todos os seus vigores, até lhe arrancar a menor chama vital. O filósofo Gilles Deleuze talvez não tenha compreendido o afã do espírito, pois mesmo o seu extenso trabalho com conceitos tais como “alegria”, “potência”, “tristeza”, “ser”, etc, não lhe impediu de se atirar pela janela quando se viu impossibilitado de respirar devido ao avanço do câncer pulmonar.


As respostas para a maldição do ser, cada um tem que buscar no interior do seu viver.

Ilustração: montagem de telas de Alexis Bulman.

Um comentário:

  1. essa reflexão me lembrou algo que ouvi já faz um tempo, e que vem martelando minha consciência desde então,"estamos aqui para aprender a morrer".

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