Recentemente, quando passei pelo processo de compra do nosso
1º piano de cauda, a maior dificuldade foi tentar entender as especificações em
inglês e os termos técnicos empregados nos fóruns internacionais sobre pianos.
Passado o perrengue e depois de ter traduzido os principais termos usados
globalmente, acho oportuno compartilhar com os que enfrentam o mesmo problema e
estão a ponto de comprar um piano importado novo, sem ter certeza se estão
comprando gato por lebre.
Agrafes – Agraffes:
são pequenas peças de bronze dotadas de 1 a 3 furos que
servem como espaçador das cordas, posicionadas logo depois das cravelhas de
afinação.
Dica na hora da compra: Os pianos dotados de Agrafes são considerados de melhor qualidade porque tais dispositivos permitem que as cordas fiquem perfeitamente posicionadas e rigidamente espaçadas.
Dupla Escalada – Duplex Scaling:
sistema originalmente desenvolvido pela Steinway, que
consiste no posicionamento de pequenas pirâmides metálicas posicionadas entre o
pino da chapa (harpa) e os espaçadores inferiores. É uma forma engenhosa criada
com o objetivo de aumentar a qualidade do som e melhorar a sustentação.
Dica na hora da compra: este recurso representa um diferencial nos pianos pequenos de ¼ de cauda (menos de 160 cm de comprimento), já que qualquer acréscimo na ressonância original é importante neste tamanho de instrumento.
Chapa ou Harpa ou Harpão – Cast Iron Frame (or plate):
a pressão exercida pelas cordas sobre a estrutura do piano é
de aproximadamente 23 toneladas. Não obstante ter conferido resistência
estrutural, a chapa metálica é um ingrediente a mais a interferir na qualidade
do som. Assim, ao longo dos anos da história do piano, os artesãos se esmeraram
em produzir uma peça que tivesse a forma e a massa ideais para interferir
minimamente na sonoridade do instrumento. Atualmente, as chapas dos pianos
modernos são extremamente parecidas porque são todas descendentes do mesmo
modelo Steinway, a marca que criou o primeiro piano chamado erroneamente de
“cepo de aço”, ou seja, dotado de suporte de cordas confeccionado inteiramente
em ferro fundido.
Dica na hora da compra: há dois sistemas de fundição da chapa, um segue o processo antigo “Wet Sand Cast Plate” (fundição em molde de areia) e outro, modernamente desenvolvido pela Yamaha chamado de “Vacuum Shield Mold Process [V-Pro] plate”. No primeiro, a aparência da Harpa é mais rústica e no segundo, o acabamento obtido é perfeito. Quanto à sonoridade, talvez isso explique o viés metálico no timbre dos pianos Yamaha, apreciado por uns e detestado por outros.
Pontes, Cavaletes, Baralhos – Bridges:
peça-chave da estrutura que transmite o som das cordas para
a tábua harmônica. São feitos de madeira dura, colados e parafusados na tábua,
na sua superfície há os pinos separadores pregados numa camada de grafite (que
facilita o deslizamento das cordas durante a afinação). Caso as pontes estejam
demasiadamente pressionadas, favorece a sustentação, mas diminui o volume sonoro,
do contrário, a sonoridade aumenta em detrimento da sustentação.
Dica na hora da compra: nos pianos importados, é desejável que as pontes (para os grupos de notas graves e agudas) sejam confeccionadas em Maple (Bordo).
Baralhos, Leques ou Ripas – Ribs:
são tiras de madeira coladas na parte de trás da tábua
harmônica, posicionadas perpendicularmente às fibras da madeira. Como elas
auxiliam na transmissão das vibrações através da madeira e mantém a coroa (curvatura)
“crown” da tábua harmônica, são peças extremamente vitais localizadas na alma
do piano.
Dica na hora da compra: principalmente nos pianos usados, dê uma boa olhada na traseira do piano para conferir o estado das ripas. Se você verificar trinca, descolamento, perfuração de cupim, o melhor a fazer é descartar a compra. O curioso é que raramente os vendedores de piano franqueiam aos compradores a visão de trás do piano de armário. Quanto aos pianos de cauda, vale a pena você se dar ao luxo de se deitar em baixo do instrumento e inspecionar cuidadosamente com olhos e mãos todos os detalhes da madeira, pois talvez venha a economizar milhares de reais ao evitar comprar um piano bichado.
Tábua ou Tampa Harmônica – Soundboard:
esta peça é o coração
do piano e a sua razão de existir. Ela consiste numa série de ripas de madeira
de fibras longas de árvores da família dos pinheiros, coladas entre si até
formar uma prancha. A tábua harmônica desempenha a mesma função da membrana do
alto-falante e define a característica sonora de um determinado piano, a
impressão digital que o diferencia de todos os outros.
Dica na hora da compra: preste atenção ao tipo de madeira de que a tábua harmônica e feita. As consideradas melhores do mundo para este fim são o Abeto (Spruce) proveniente do Canadá, melhor ainda, as tábuas harmônicas originárias da Itália.
Observe a textura da prancha, quanto mais lisa e clara e com
o verniz em perfeitas condições, melhor ela soará.
Problemas que podem ocorrer: se ela apresenta problemas,
você não terá um piano, mas um abacaxi, pois a troca da tábua harmônica, apesar
de ser tecnicamente possível, é economicamente inviável. Os problemas mais
comuns são rachaduras e trincas que podem acontecer devido ao transporte mal
feito, variações térmicas bruscas no ambiente, excesso de umidade, etc. Outro
grande transtorno é o ataque de cupins, isto sim um problema realmente
insolúvel determinante da morte do piano. O último problema tem a ver com a
perda da coroa (crown), curvatura que a tábua harmônica deve ter para poder
amplificar as vibrações emitidas pelas cordas.
Lembrança importante: se você é daqueles que na hora da
compra sonha com um piano de barbada, saiba que por trás desses negócios da
china pode se esconder uma tábua harmônica trincada e/ou com coroamento
comprometido.
Martelos – Hammers:
Martelos de qualidade duvidosa versus martelos de qualidade excelente. |
responsáveis pelo tom do piano porque são eles que tangem as
notas. A sua regulagem se chama entonação (voicing).
Dica na hora da
compra: inspecione os martelos para ver se eles estão desalinhados, roídos
por traças, desgastados ou sujos. Apesar da troca dos martelos não ser incomum
num piano, é dispendiosa e deveria ser evitada a curto prazo no momento da
escolha de um piano usado.
Observe se os martelos são de boa procedência. Os melhores
martelos do mundo são os alemães Abel e Renner, e o japonês Imadegawa. Evite
comprar um piano equipados com martelos sem revestimento interno (fina camada
de feltro colorido vermelho ou verde que observável entre a madeira e o feltro
branco principal), pois eles têm a tendência de não reter por muito tempo a
entonação, conforme apontado neste artigo comparativo entre o piano Yamaha
GB1 e o Wendl and Lung, conforme foto comparativa acima.
Cepo – Pinblock:
Note que a Harpa será instalada em cima do cepo. |
é o bloco de madeira onde são fincadas as cravelhas. Ele se
localiza embaixo da chapa. Como um pedaço maciço de madeira não teria
resistência estrutural suficiente para manter o aperto das cordas, o cepo é constituído
de várias lâminas justapostas e coladas.
Dica na hora da
compra: esta é a peça fundamental que vai determinar se o seu piano irá
aguentar afinação ou não. Você pode identificar se o piano sustentará a
afinação examinando atentamente alguns sinais – caso as cravelhas estejam
inclinadas, é sinal de que há folga irrecuperável. Se as três voltas e meia da
corda em volta da cravelha estão tocando a chapa, é sintoma de que não há mais
ajuste possível.
Mecanismo ou máquina – Action:
Mecanismo Renner alemão, considerado o melhor do mundo. |
é o maquinário que transmite a força dos dedos do pianista
às cordas. Às vezes é tido como o coração do piano, pois é o elemento de
interação direta com o intérprete. A grande diferença entre pianos de cauda e
verticais reside justamente na forma como as suas máquinas são concebidas.
Enquanto nos horizontais os martelos e abafadores funcionam graças à força da
gravidade, conferindo com isto muito maior agilidade e precisão, nos verticais os
martelos retornam à posição inicial pela ação de molas, o que torna o mecanismo
bem menos responsivo e sensível a sutilezas dinâmicas.
Dica na hora da
compra: principalmente nos pianos usados, deve ser feita uma boa análise do
estado do mecanismo, ruídos nas teclas, teclas trancadas, estado dos feltros e
camurças, etc.
Pequeno glossário dos vários tipos de madeira mencionadas nas
especificações dos fabricantes de piano importados:
Abeto - Spruce: madeira família dos pinheiros usada para confecção da tábua
harmônica, ripas e até no gabinete dos pianos de cauda. As tábuas harmônicas dos pianos
brasileiros são feitas de araucária.
Faia – Beech: madeira usada principalmente no teclado
Bordo – Maple: madeira usada no cepo e pontes
Referências:
Conheça mais o piano
Excepcional seu blog! Estou nesse processo de aprendizado que antecede a compra, e preciso entender muito antes de adquirir meu piano de calda. Se possível, gostaria que você informasse se você fez importação do produto, ou comprou por aqui, pois estou pensando em comprar fora do Brasil e não sei se a burocracia/impostos constituirão grande empecilho. Grata, Shirley Monroy
ResponderExcluirOptamos pela compra de um piano importado pela via da rede de lojas Milsons. Na minha opinião, sobre instrumentos musicais não deveria incidir impostos, mas parece que não é o que acontece.
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