“Não me admira que o mundo vá de mal a pior e que os males aumentem cada vez mais, à medida que aumenta o tédio, e o tédio é a raiz de todo o mal. A história deste pode ser acompanhada desde os primórdios do mundo. Os deuses estavam entediados, pelo que criaram o homem. Adão estava entediado por estar sozinho, e por isso lhe foi dada Eva. Assim o tédio entrou no mundo e aumentou na proporção do aumento da população. Adão aborrecia-se sozinho, depois Adão e Eva aborreceram-se juntos, depois Adão e Eva e Caim e Abel aborreceram-se en famille; depois a população do mundo aumentou e os povos aborreceram-se en masse. Para se divertirem congeminaram a ideia de construir uma torre tão alta que chegasse ao céu. Esta ideia, por sua vez, é tão aborrecida quanto a torre era alta, e constitui uma prova indiscutível de como o tédio se tornou dominante.”
Soren Kierkegaard, in 'Ou/Ou'
Num mundo altamente conectado e ligado 24 horas por dia, parar pode significar a ruína da tranquilidade, se é que temos este artigo raro em tempos de efeito pipoca.
Tudo bem, para fazer frente à "raiz de todo o mal", é necessário que lancemos sugestões para vencer o dragão. Digo, não tenho tédio e muito menos a minha mulher, porque nos falta tempo para fazermos o que gostamos, melhor ainda, falta tempo para ficarmos entediados. Sim, não temos TV e mesmo assim nos falta tempo para usufruirmos as nossas atividades lúdicas. No tempo livre, se é que isto possa se aplicado à minha mulher, estudamos piano, lemos, praticamos voo livre ou execícios, lemos, escrevemos, ela assiste seriados americanos no computador, eu escrevo, em suma, evitamos nos tornar presas fáceis do tédio. Mas, aparentemente não basta nos mantermos ocupados para nos livrarmos das garras do tédio.
Então, este é o segredo: se os sofredores de tédio não tem o que fazer e, pior ainda, não tem vontade alguma de fazer, nem que seja curtir o ócio criativo, logicamente devemos desconfiar que o furo é mais embaixo. Devido ao detalhe “não haver vontade”, me pergunto se o tédio não teria conotações mais profundas do que a simples sensação de vazio e de fim-da-linha que costuma acometer as pessoas depois do Faustão.
Temo que a resposta seja mais simples do que aparenta, uma vez que uma coisa tão pouco catastrófica como o tédio pode ser a ponta do iceberg de um processo depressivo insidiosamente silencioso. Sim, a depressão vai muito além da imagem clássica da mera tristeza, já que ela compreende vários estados de espírito, desde os caracterizados pelo vazio existencial, àqueles dominados pelo senso agudo de inutilidade e fracasso. Ou seja, pode ser que o tédio bobinho que bate de vez em quando, seja a voz por ora fraca do monstro maior que se avoluma no interior.
A lição que fica, é que os sofrimentos psicológicos dificilmente podem ser resolvidos na base das boas intenções, pois se você é tomado frequentemente por este estado, um mal muito maior pode estar se alevantando.
mto bom o blog
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