1 de fev. de 2010
A face oculta da evolução humana.
Uma abordagem para entender a evolução humana é comparar nosso DNA com o de outras espécies de mamíferos, especialmente os primatas. Tais estudos mostraram, por exemplo, que o nosso DNA é quase 99% idêntico ao do chimpanzé (Pan troglodytes). Isto é, dos três bilhões de bases que compõem o genoma humano, apenas 15 milhões delas, ou seja, cerca de 1%, mudaram num período de seis milhões de anos, desde que as linhagens do ser humano e do chimpanzé divergiram.
As mudanças nos genes que codificam proteínas são muito lentas, porém há regiões do DNA que apresentam explosões de mudanças. O mais incrível é que a maior parte dessas mudanças ocorreram em regiões do DNA que não possuem genes estruturais, ou seja, que não contém a informação para a síntese de proteínas.
Por décadas, a pesquisa em biologia molecular focalizou-se quase que exclusivamente nos genes que especificam proteínas, porque além delas serem os constituintes básicos da estrutura e funcionamento celular, elas podem ser isoladas e mais facilmente estudadas. Assim, todas as características herdáveis estudadas pela Genética Clássica, as famosas partículas de Mendel, são proteínas.
Graças ao projeto Genoma humano, que desvendou a sequência de bases dos nossos cromossomos, os cientistas sabem agora que os genes que codificam proteínas compõem apenas 1.5 por cento de nosso DNA. Os outros 98.5 por cento, muitas vezes chamado de DNA “lixo”, contêm sequencias regulatórias que “dizem” aos outros genes quando e onde desligar ou ligar. Tais sequências regulatórias do DNA codificam RNAs que não são traduzidos como uma proteína, dessa forma elas não são claramente visíveis, como a face oculta da Lua, por isso os cientistas recém estão começando a compreender suas funções.
No nosso DNA “lixo” têm sido identificadas algumas sequências exclusivamente humanas, que evoluíram rapidamente. Tais descobertas apontam para uma nova abordagem a ser seguida pelas pesquisas sobre evolução humana, daqui para frente: é preciso desvendar a face oculta do genoma, nosso DNA ‘lixo’!
Entre as descobertas recentes nesse campo, se pode destacar o trabalho de Katherine S. Pollard, da Universidade da Califórnia que, desde 2004, está estudando uma sequencia de DNA com 118 bases, conhecida como “human accelerated region 1” (HAR1), que se pode traduzir como ‘região humana acelerada 1’. Explicando: essa região apresenta 118 bases, das quais 18 diferem entre o DNA humano e do chimpanzé, indicando um acelerado ritmo de mudanças evolutivas.
Porque estas mudanças evolutivas são consideradas aceleradas? Porque ao compararmos a mesma sequência de 118 bases entre chimpanzés e galinhas, que já divergiram há 300 milhões de anos, veremos que só duas diferem, ou seja, foi apenas nos seres humanos que as mudanças foram aceleradas.
Além desse fato, o que moveu a pesquisadora foi ter sido detectada atividade da HAR1 em duas amostras de células nervosas humanas. Como esta sequência não havia sido descrita ou estudada antes, ela e seu orientador resolveram investigá-la a fundo.
O cérebro humano é consideravelmente diferente do cérebro do chimpanzé em termos de tamanho, organização e complexidade, entre outros traços. Contudo, os mecanismos de desenvolvimento e evolução subjacentes as características particulares do cérebro humano são mal compreendidos. HAR1 parecia ser uma chave para iluminar este aspecto tão misterioso da biologia humana. Como de fato ocorreu.
Suas pesquisas revelaram que a HAR1 é ativa em um tipo de neurônio que desempenha um papel chave no padrão e na disposição do córtex cerebral, que é a camada mais externa e enrugada do cérebro. Quando estes neurônios não funcionam bem, o resultado pode ser uma malformação congênita severa, frequentemente mortal, conhecida como lisencefalia ou “cérebro liso”, na qual o córtex não apresenta suas dobras características, resultando numa área marcadamente reduzida. O mau funcionamento destes mesmos neurônios também está associado ao início da esquizofrenia em adultos.
Outras regiões do DNA ‘lixo’ também afetam características tipicamente humanas, um exemplo é a HAR2 (conhecida também como HACNS1) que regula os genes envolvidos com o desenvolvimento do pulso e do polegar, causando mudanças morfológicas que possibilitaram a destreza necessária para manufaturar e usar ferramentas complexas.
Em suma: a história do que nos tornou humanos não parece estar centrada nas mudanças das proteínas, as quais podem ser comparadas a peças de Lego, que estruturam e fazem funcionar o organismo. Para entender a evolução humana é necessário conhecer mais as regiões ou genes regulatórios, que afetam a montagem dessas ‘peças de lego’ mudando o ‘como’, o ‘quando’ e o ‘onde’ os diferentes genes estruturais devem ligar ou desligar. Estudos experimentais e computacionais em curso em diversos laboratórios do mundo estão procurando elucidar como funcionam e agem os 98.5% do DNA, que não codifica proteínas, ou seja, a face oculta do nosso genoma.
Por: Gladis Franck da Cunha.
Referências:
POLLARD, Katherine S. What Makes Us Human? Scientific American, Maio de 2009, artigo completo disponibilizado por Tigre sin Tiempo
FURTADO, Fred. Do lixo ao luxo. Ciência Hoje on-line. Publicado em 01/10/2005 | Atualizado em 05/11/2009, acesso em 29/12/2009, às 22:12.
CUNHA, Gladis F. Generalidades sobre o núcleo celular. DIVERSAE, 29/08/2009.
CUNHA, Gladis F. Cromatina, cromossomos e genes. DIVERSAE, 29/12/2009.
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Sou um ignorante sobre este tema. Li a teoria de Mendel e não consegui compreender (não tenho formação)porém fiz uma experiência,e resultou.
ResponderExcluirTinha um pombo correio muito medalhado e queria obter um idêntico. Acasalei-o com duas fêmeas distintas. Depois, acasalei os meios-irmãos, na 2ª. gerão apareceu uma fêmea com caracteristicas aproximadas do inicial. Então, acasalei essa fêma com o original e a verdade é consegui obter um macho que era uma fotografia do original. Fiz o teste, ou seja, enviei-o para competição e os resultados foram brilhantes, logo resultou. Ainda hoje não consegui compreender o processo.
Provavelmente as cracterísticas medalháveis são recessivas, assim não estavam presentes na primeira geração e voltaram a aparecer na segunda.
ResponderExcluirAcasalar a pomba neta com o pombo avô é o que se chama de retrocruzamento, isso é muito usado na produção de raças "puras", mas é preciso ter cuidados para evitar excesso de cruzamentos entre indivíduos muito aparentados. No teu experimento fizeste bem de não ter cruzado diretamente pai e filhas.
Muito obrigado pela explicação.
ResponderExcluirEssa história de "DNA Lixo" me lembrou o fato de que muitas culturas do passado consideravam o cérebro como lixo. Sim, o cérebro era apenas uma massa sem utilidade alguma além de preencher a cabeça e fazer algum contra-peso para balancear o movimento do pescoço ao andar. Incrível não? Creio que há muito mais coisas a descobrir nesse suposto "lixo".
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