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27 de set. de 2009

A (in)determinação sexual.

Semenya e Sarah
A resposta a pergunta: é menino ou menina? Nem sempre é simples, mesmo levando-se em consideração apenas as questões biológicas. Isso se torna especialmente complexo no mundo dos esportes competitivos.

Dois casos têm chamado a atenção: a corredora Semenya e a tenista Sarah. Seriam elas hermafroditas verdadeiras? Nesse caso, elas tem vantagens físicas em relação às outras mulheres com quem competem?

Na nossa espécie o hermafroditismo é uma condição anômala e se manifesta de três formas: o hermafroditismo verdadeiro, o pseudo-hermafroditismo masculino e o pseudo-hermafroditismo feminino. Hermafroditas verdadeiros apresentam ovários e testículos e seus órgãos genitais externos apresentam estruturas masculinas e femininas. A maioria dos hermafroditas verdadeiros é geneticamente mulher. O desenvolvimento dos testículos se deve a alterações em genes ainda desconhecidos que atuam como o gene SRY do cromossomo Y, responsável pela formação dos testículos (Gazeta OnLine, 2009).

A determinação do sexo em humanos ocorre ao final do segundo mês de gestação e, como nos demais mamíferos, depende da presença do cromossomo Y. Genes presentes neste cromossomo levam à formação de testículos e à produção de doses elevadas de testosterona, que promovem o desenvolvimento das características sexuais secundárias (corpo masculino).

Assim, nos mamíferos há duas condições genéticas normais: indivíduos com dois cromossomos sexuais iguais “XX” são fêmeas, enquanto indivíduos com dois cromossomos sexuais diferentes “XY” são machos.

Porém, há outros fatores ou genes que podem interferir.

Por exemplo, as quatro “irmãs” da imagem abaixo deveriam ter nascido homens, pois possuem o par sexual XY, mas um gene do cromossomo X torna as células insensíveis à testosterona de forma que não formam testículos nem genitália masculina. Elas possuem genitália e caracteres sexuais femininos, mas não tem útero e os “ovários” são em forma de fita. Em geral, estas pessoas somente descobrem que não são geneticamente mulheres quando resolvem investigar por que não menstruam. Recentemente, um aluno relatou o caso de uma amiga sua, que acabou de descobrir que era “homem”, porém, a síndrome da feminização testicular ou insensibilidade à testosterona afeta todas as características sexuais secundárias, de modo que suas portadoras pensam e sentem como mulheres, apenas não menstruam e são estéreis.


O núcleo das células pode revelar o verdadeiro sexo “genético” dos indivíduos.

O fato do cromossomo X ser bem maior do que o Y cria um desbalanço gênico nas mulheres, por isso um dos cromossomos X por célula deve ser quase totalmente “inativado” tornando-se condensado (heterocromático), formando a chamada “cromatina sexual”. Nas imagens abaixo vemos o aspecto da cromatina sexual no núcleo celular. Na esquerda o aspecto mais comum que a cromatina sexual assume na maioria das células, na direita vê-se a forma particular de “raquete” de tênis no núcleo dos neutrófilos.
Cromatina sexual em núcleos

O fato curioso é que nas diferentes células nem sempre é o mesmo cromossomo X que se torna inativo, em algumas é o de origem paterna e em outras o de origem materna. Logo, as fêmeas de mamíferos, incluindo as mulheres, são “mosaicos genéticos”. Isso é bem visível em gatos cálicos, nos quais os genes que determinam a pelagem amarela e preta estão nos cromossomos X, assim gatos machos não tem as cores amarela e preta simultaneamente, pois possuem um único X. Já as fêmeas podem possuir as duas cores, mas dependendo de qual cromossomo X estiver ativo numa dada região do corpo o pelo será preto ou amarelo.
Gata calico

Em relação as atletas, tanto Semenya quanto Sarah não foram “desautorizadas” a continuar competindo porque, certamente, são geneticamente XX. Isso não ocorreria se fossem como uma das quatro “irmãs” portadoras da síndrome da feminização testicular. Mas estes casos estão abrindo novos debates sobre as questões da determinação sexual, bem como de direitos humanos.

Há anos, assisti a um filme baseado em fatos reais, em que Vanessa Redgrave interpretava um jovem que fez cirurgia de mudança de sexo e após virar mulher começou a jogar tênis profissionalmente. Apesar dos protestos, ela (ele?) conseguiu continuar jogando porque ainda não havia uma legislação que definisse a obrigatoriedade de ser geneticamente mulher. Após este caso, essa legislação foi implementada em todas as categorias esportivas, de modo que pessoas XY não podem competir com pessoas XX, independente de seu fenótipo ser feminino.

O caso dos hermafroditas verdadeiros ou pseudo-hermafroditas está gerando um novo impasse. Isso levará a reformulação da legislação esportiva? Seria justo impedir tais atletas de competirem em função de suas peculiaridades orgânicas? Só o tempo dirá.

Coda – Uma pergunta muito intrigante:

Leitor:Um indivíduo hermafrodita verdadeiro que se submeta a processos de autofertilização (in vitro ou inseminação artificial) poderia gerar um feto viável?

Franklin Rumjanek:Não há relatos de autofertilização em hermafroditas humanos. Os hermafroditas verdadeiros humanos são muito raros. Eles têm gônadas com tecidos misturados chamados de ovotestis (de ovário e testículos). Não se encontram na literatura científica menções a obtenção de espermatozóides desses indivíduos. Então uma autofertilização não parece possível. Os hermafroditas conhecidos tem biotipo feminino, podem ovular e seus óvulos podem ser fecundados. Mas não se conhecem casos de ejaculação ou produção de espermatozóides por estes indivíduos.
Em princípio, os hermafroditas podem engravidar, embora existam somente 12 casos registrados em que a gravidez chegou a termo. Todos os filhos gerados foram do sexo masculino” (Ciência Hoje, agosto de 2009, p.5).

Por: Gladis Franck da Cunha

Para saber mais:
1- Sobre o caso Semenya: leia em Globo Esporte disponível em http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Atletismo/0,,MUL1307317-16316,00.html

2- Sobre o caso Sarah: leia em ScudNews disponível em http://blog.scudeto.com/2009/03/23/6914/

3- Sobre Hermafroditismo Humano: leia Gazeta OnLine disponível em http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2009/09/532701-principal+causa+do+hermafroditismo+e+mutacao+genetica.html

4- Sobre a síndrome da feminização testicular leia em GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à Genética. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 6a. ed. , 1998.

5- Fonte das imagens de neutrófilos: UWA disponível em http://www.lab.anhb.uwa.edu.au/mb140/corepages/blood/blood.htm#Neutrophilic

6- RUMJANEK, F. O leitor pergunta. Ciência Hoje. vol 44. n. 262. p.5. Rio de Janeiro : SBPC, agosto 2009.

3 comentários:

  1. A cada dia eu amo mais esse blog. Muito bom.

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  2. MUITO BOM ESTAMOS ESTUDANDO ISSO O FATO DESCONHECIDO POR MIM

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