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23 de jun. de 2008

Por que há dois Brasis, um melancia e outro Gisele Bündchen?


Gisele Bündchen e Andressa Soares são dois ícones atuais situados nos extremos do espectro econômico/cultural/estético que servem para ilustrar a situação de desigualdade crônica nos dois Brasis: o Brasil-Fashion da Avenida Paulista, da Versace, Daslu, Louis Vuitton contrapondo-se ao Brasil-Brega da Rua 25 de Março, da Daspu e das clonagens de grifes famosas.

É consenso que o Brasil é um dos países do mundo com pior distribuição de renda. Tal desigualdade se arrasta incólume ao longo da história, perpetuando o modelo excluidor consolidado nas Ordenações Filipinas publicadas no início do século XVII.

As diferenças entre duas figuras femininas públicas vão além da obviedade superficial; Gisele Bündchen oriunda das classes dominantes financeiramente e
intelectualmente, porta em seu corpo as linhas do padrão estético universal. Seu fenótipo europeu lhe garantiu inserção instantânea em Paris, Amsterdã ou Bagdá e as suas linhas esguias de mulher magérrima fizeram o resto, lhe trazendo fama, sucesso e muito dinheiro.

Contrapondo o mundo fashion, sofisticado e endinheirado de Gisele, o Brasil burguês assiste estupefato personagens saídos do pomar da tropicalidade: jaca, jambo, melão, uva, pêra, melancia. Do Brasil marginal emerge uma silhueta arredondada de nome prosaico: Andressa Soares. Sabe-se que tem aproximadamente 20 anos e que nasceu do funk do Créu, de onde fez ligação direta para os ensaios sensuais em revistas de mulher pelada. Enquanto o Brasil-Gisele é branco, esguio e recatado, o Brasil-Melancia é moreno, repleto de curvas e tremeluzente em sua imensa poupança glútea de 120 cm.

Mas, qual é a origem dos Brasis simbolizados por essas duas figuras femininas, uma de natureza esquálida e pálida e outra estourando curvas e morenice?

Depois de ter vigorado em Portugal, as Ordenações Filipinas foram exportadas para o Brasil colônia. Elas foram resultado da revisão, reforma e codificação de toda a legislação portuguesa anterior, a saber: Ordenações Afonsinas e Manuelinas. As Ordenações Filipinas, apesar de ter os direitos romano e canônico como referência, foram consideradas retrógradas, por reproduzirem a essência dos vícios presentes nos códigos anteriores. Tal é o ponto chave que os analistas ressaltam para censurar a incúria e o espírito retrógrado dos compiladores, admitindo que tais ordenações eram sobeja prova da decadência em que iam as letras e a jurisprudência de um Portugal recém emergido da Idade Média.

As Ordenações Filipinas, apesar de novas, já nasceram envelhecidas, mais como simples versão atualizada das Ordenações Manuelinas, constituindo verdadeiramente um sopro tardio do espírito medieval a se imiscuir nos tempos modernos.

Um traço persistente até hoje como reminiscência do velho espírito das Ordenações Filipinas é a desigualdade no tratamento de criminosos em função da sua classe ou ordem. O reflexo desse espírito contamina a execução das leis e deixa escapar das suas malhas os cidadãos ricos, políticos, magistrados, portadores de curso superior, apadrinhados, etc. Na raiz da impunidade está a ontologia da formação de duas realidades sociais incrivelmente opostas.

Os dois Brasis contrastantes que não se confundem e nem se fundem, não pode ser explicada pela letra morta dos códigos atuais, mas pelo espírito persistente de leis eivadas do espírito do antigo regime, que subsistem implicitamente.

O ordenamento jurídico brasileiro que aplica impiedosamente as penas da lei ao Brasil-Melancia, ao mesmo tempo em que é condescendente com o Brasil-Fashion, transmite a idéia pouco educativa de que aos pobres nada mais resta do que cumprir rigorosamente as leis, enquanto aos ricos e protegidos pelos fóruns privilegiados toca a indulgência do Estado, concebido para protegê-lo.

O futuro dos dois Brasis pode ser antevisto nas trajetórias das duas mulheres emblemáticas que os simbolizam. Quanto a Gisele Bündchen, ela continuará surfando ao longo dos anos na crista da onda, passando paulatinamente a tocar projetos no mundo fashion, enchendo cada vez mais as burras de dinheiro. Já o destino da mulher melancia tende a ser marcantemente distinto: depois de várias sessões de lipoaspiração e plásticas, na tentativa de assumir contornos mais palatáveis pelo Brasil-Fashion (por imposição da indústria estética do PhotoShop), irá pouco a pouco branquear e murchar até desaparecer do mercado, até aterrissar novamente na realidade do Brasil-Favela, de onde o Brasil-Fashion supõe que nunca deveria ter saído.

Referência: Revista Ciência Hoje, À Sombra do Passado, Nº 159, abril 2000

Gisele Bündchen, Fashion, Celebridade, Ordenações Filipinas, mulher melancia, história

2 comentários:

  1. borlenghi99 -

    Na minha opinião, concordo com vc mas me responda:

    Com qual dos dois tipos de Brasis vc ficaria se tivesse que escolher?

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  2. Fico com o da Gisele...

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