Estas reflexões sobrevieram numa sexta-feira chuvosa e sombria, que sobreveio após alguns dias iluminados e constrangedoramente quentes de inverno.
A beleza de um dia ensolarado é óbvia pelas nuances da paleta clorofilada...
Pelas sombras projetadas no gramado...
Ou pelas ilusões dos reflexos nas janelas de vidro...
Assim, após alguns dias mergulhados em luz, a chegada da chuva no inverno, nos traz certa melancolia e recolhimento...
Porém, quando lançamos um olhar atento à chuva somos brindados com uma nova estética esbranquiçada e mutante a cada nova direção do vento ou intensidade da água...
Daí brota o encantamento pelo caráter mutante das telas pintadas pela natureza, que pode nos brindar com um luar sobre o telhado...
Um entardecer róseo de verão que revela uma tímida lua crescente no oeste...
Ou uma lua cheia que surge no leste...
Todavia a apreciação estética requer que uma mudança no olhar e nos demais sentidos, difícil no início, mas essencial para alegria. Segundo Nietzsche toda mudança toda novidade nos provoca sentimentos de hostilidade, pois até mesmo para os nossos sentidos é mais fácil reproduzir o que já conhecem do que reter o novo de forma que "Ouvir novos sons é difícil para o ouvido, compreendemos mal uma língua estrangeira e involuntariamente tratamos de transformar estes sons em palavras que nos parecem mais familiares".
A beleza e a alegria exigem que abramos mão do nosso estado equivocado de certezas, do tipo “Já conheço BEM este lugar” para um estado de incertezas e maravilhamento que nos permite ver um dos pequenos dramas cotidianos como um fungo marrom sendo atacado por um amarelo...
Ou a beleza de uma flor que vai durar poucos dias...
Para mergulhar na beleza temos que desenvolver a ARTE do Sensível olhar pensante, nos desplugando de aparelhos eletrônicos, entrando num refúgio off-line para olhar pela janela, buscando o que há de novidade, naquela tão equivocada mesmice, mesmo que por poucos minutos ao dia.
Para tanto, lembremos como sugeriu Lulu Santos na música Como uma onda:
“Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo”...
Mirian Celeste Martins traduziu o olhar como “percepção cognoscitiva”, que vai além dos dados sensoriais, ou seja, um “sensível olhar-pensante”, que reflete, sente, interpreta e avalia. Um olhar curioso, que estabelece relações e vê diferenças. É olhar de pensamento divergente, “é olhar que não acumula e não abarca, mas procura; não deriva sobre a superfície plana, mas escava, supõe e expõe um campo de significações, é visão feita interrogação”.
Por que a ARTE? Para nos preencher e instigar a ir além em direção a um mais que ser. Nas palavras de Friedrich Nietzsche:
“Antes de tudo ela (a arte) ensinou, através de milênios, a olhar com interesse e prazer para a vida em todas as suas formas e a levar nossa sensação tão longe que finalmente exclamamos: Seja como for a vida ela é boa! Esse ensinamento da arte, que consiste em encontrar prazer na existência e considerar a vida humana como quem considera um pedaço de natureza, sem se empolgar demais, vendo-a como objeto de um desenvolvimento conforme leis – esse ensinamento se arraigou em nós, ele agora retorna à luz como necessidade onipotente de conhecimento. Poder-se-ia abrir mão da arte, mas com isso não se perderia a aptidão aprendida dela: assim como se pode abrir mão da religião, mas não das intensidades e elevações de ânimo adquiridas através dela. Assim como a arte plástica e a música dão a medida do sentimento de riqueza efetivamente adquirido e acrescido pela religião, assim, depois de um desaparecimento da arte, a intensidade e multiformidade da alegria de viver, implantados por ela, ainda exigirão satisfação. O homem científico é continuação do homem artístico”(Humano, demasiado humano, 1878).
Por Gladis Franck da Cunha
Fotos: Isaías Malta
Referências:
1- CUNHA, Gladis Franck. Minha tese de filtragem do mundo. Te liga, 2009.
2- MARTINS, Mirian Celeste. Aprendiz da arte: trilhas do sensível olhar pensante, São Paulo : Espaço Pedagógico, 1992.
3- NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano (1878) em Os Pensadores 3ª Ed., São Paulo: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1983.
O que desejamos? Ser felizes
ResponderExcluirNão há dúvida de que é realmente isso que desejamos: ser felizes. Mas,quando se trata de dizer em consiste a felicidade, encontramos tremendas dificuldades.
A felicidade é o supremo.
Já Aristóteles escreveu “ Todos os homens estão praticamente de acordo quanto ao bem supremo: é a felicidade. Mas quanto à natureza da felicidade, já não nos entendemos”.
Também Kant se referiu a essa coisa indefinível, que é o objecto dos nossos sonhos, trabalhos e anseios, nestes termos: “ O conceito de felicidade é tão vago que, embora toda a gente deseje alcançar a felicidade, nunca ninguém consegue dizer de forma definitiva e constante o que realmente espera e deseja”.
Uma das razões da dificuldade reside no facto de a felicidade ter tanto de subjectivo. A prova está em que encontramos pessoas felizes, apesar de, na nossa percepção, a sua situação as deve levar à infelicidade.
Quem coloca a base da felicidade na procura incessante de bem-estar material e de estatuto social para impressionar os outros revela um comportamento de carência e, assim, não pode ser feliz. Aliás, o dinheiro leva consigo a lógica da insatisfação: quanto mais se tem mais é preciso ter.
O que será então a felicidade?
Uma mistura de uma vida agradável, com prazer, boa, ou seja uma vida realizada.
A nossa felicidade faz impressão a muita gente, mas o que importa isso?
Sabem lá eles o quanto trabalhamos para estar bem?
Realmente, é preciso muita percepção e sensibilidade para saber ver toda a beleza da natureza. Achei linda a reflexão!
ResponderExcluirMário Ventura de Sá e Prof. Adinalzir,
ResponderExcluirum sábio falava que é muito mais fácil renunciar à felicidade do que aos problemas.
Com isto, ele queria dizer que a felicidade só pode ser experimentada mediante o usufruto de um alto grau de abstração, porque na falta deste viabiliza-se apenas a contemplação bovina, posto que isenta de auto-consciência.
Nietzsche, um dos sujeitos mais atormentados sobre a face da terra, ousou conjecturar sobre ela e talvez tais seres taciturnos sejam os veículos mais apropriados para expressá-la, já que um simples vislumbre dela deva ser o suficiente para cristalizá-la em filosofia, arte e poesia para todo sempre.
Adorei mesmo foi a foto de chuva.
ResponderExcluirGostei muito, demais, e exatamente essa sensibilidade aguçada que podemos ter com a visão podemos ter com a audição e apreciar todos os encatamentos e texturas de uma uma música por exemplo, ou o paladar, e assim saborear coisas nunca antes sentidas. Temos que nos render ao diferente, nós estamos em constante mudança, na minha opinião sem estar abertos à tudo não evoluiremos mentalmente. Entre aqui: culturaaguce.blogspot.com e veja se voce gosta minha querida.
ResponderExcluir"Todavia a apreciação estética requer uma mudança no olhar e nos demais sentidos."
ResponderExcluirÉ isto mesmo. E também requer um olhar mais puro, menos influenciável por conceitos aprendidos. Requer um olhar atento.
Gostei, principalmente, da foto da chuva.
Um abraço
Vânia