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11 de jul. de 2010

Um mergulho em telas mutantes ou a ARTE de olhar.

Estas reflexões sobrevieram numa sexta-feira chuvosa e sombria, que sobreveio após alguns dias iluminados e constrangedoramente quentes de inverno.

A beleza de um dia ensolarado é óbvia pelas nuances da paleta clorofilada...
palheta de cores clorofiladas

Pelas sombras projetadas no gramado...
projeções de sombra no gramado

Ou pelas ilusões dos reflexos nas janelas de vidro...
ilusoões do reflexo

Assim, após alguns dias mergulhados em luz, a chegada da chuva no inverno, nos traz certa melancolia e recolhimento...
estética da chuva 1

Porém, quando lançamos um olhar atento à chuva somos brindados com uma nova estética esbranquiçada e mutante a cada nova direção do vento ou intensidade da água...
estética da chuva 2

Daí brota o encantamento pelo caráter mutante das telas pintadas pela natureza, que pode nos brindar com um luar sobre o telhado...
luar sobre telhado

Um entardecer róseo de verão que revela uma tímida lua crescente no oeste...
lua ao por do sol do verão

Ou uma lua cheia que surge no leste...
lua de verão no hemisfério sul

Todavia a apreciação estética requer que uma mudança no olhar e nos demais sentidos, difícil no início, mas essencial para alegria. Segundo Nietzsche toda mudança toda novidade nos provoca sentimentos de hostilidade, pois até mesmo para os nossos sentidos é mais fácil reproduzir o que já conhecem do que reter o novo de forma que "Ouvir novos sons é difícil para o ouvido, compreendemos mal uma língua estrangeira e involuntariamente tratamos de transformar estes sons em palavras que nos parecem mais familiares".

A beleza e a alegria exigem que abramos mão do nosso estado equivocado de certezas, do tipo “Já conheço BEM este lugar” para um estado de incertezas e maravilhamento que nos permite ver um dos pequenos dramas cotidianos como um fungo marrom sendo atacado por um amarelo...

fungo fungando

Ou a beleza de uma flor que vai durar poucos dias...
flor

Para mergulhar na beleza temos que desenvolver a ARTE do Sensível olhar pensante, nos desplugando de aparelhos eletrônicos, entrando num refúgio off-line para olhar pela janela, buscando o que há de novidade, naquela tão equivocada mesmice, mesmo que por poucos minutos ao dia.

Para tanto, lembremos como sugeriu Lulu Santos na música Como uma onda:
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo”...

Mirian Celeste Martins traduziu o olhar como “percepção cognoscitiva”, que vai além dos dados sensoriais, ou seja, um “sensível olhar-pensante”, que reflete, sente, interpreta e avalia. Um olhar curioso, que estabelece relações e vê diferenças. É olhar de pensamento divergente, “é olhar que não acumula e não abarca, mas procura; não deriva sobre a superfície plana, mas escava, supõe e expõe um campo de significações, é visão feita interrogação”.

Por que a ARTE? Para nos preencher e instigar a ir além em direção a um mais que ser. Nas palavras de Friedrich Nietzsche:

Antes de tudo ela (a arte) ensinou, através de milênios, a olhar com interesse e prazer para a vida em todas as suas formas e a levar nossa sensação tão longe que finalmente exclamamos: Seja como for a vida ela é boa! Esse ensinamento da arte, que consiste em encontrar prazer na existência e considerar a vida humana como quem considera um pedaço de natureza, sem se empolgar demais, vendo-a como objeto de um desenvolvimento conforme leis – esse ensinamento se arraigou em nós, ele agora retorna à luz como necessidade onipotente de conhecimento. Poder-se-ia abrir mão da arte, mas com isso não se perderia a aptidão aprendida dela: assim como se pode abrir mão da religião, mas não das intensidades e elevações de ânimo adquiridas através dela. Assim como a arte plástica e a música dão a medida do sentimento de riqueza efetivamente adquirido e acrescido pela religião, assim, depois de um desaparecimento da arte, a intensidade e multiformidade da alegria de viver, implantados por ela, ainda exigirão satisfação. O homem científico é continuação do homem artístico”(Humano, demasiado humano, 1878).

Por Gladis Franck da Cunha
Fotos: Isaías Malta

Referências:
1- CUNHA, Gladis Franck. Minha tese de filtragem do mundo. Te liga, 2009.
2- MARTINS, Mirian Celeste. Aprendiz da arte: trilhas do sensível olhar pensante, São Paulo : Espaço Pedagógico, 1992.
3- NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano (1878) em Os Pensadores 3ª Ed., São Paulo: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1983.

6 comentários:

  1. O que desejamos? Ser felizes

    Não há dúvida de que é realmente isso que desejamos: ser felizes. Mas,quando se trata de dizer em consiste a felicidade, encontramos tremendas dificuldades.

    A felicidade é o supremo.
    Já Aristóteles escreveu “ Todos os homens estão praticamente de acordo quanto ao bem supremo: é a felicidade. Mas quanto à natureza da felicidade, já não nos entendemos”.
    Também Kant se referiu a essa coisa indefinível, que é o objecto dos nossos sonhos, trabalhos e anseios, nestes termos: “ O conceito de felicidade é tão vago que, embora toda a gente deseje alcançar a felicidade, nunca ninguém consegue dizer de forma definitiva e constante o que realmente espera e deseja”.
    Uma das razões da dificuldade reside no facto de a felicidade ter tanto de subjectivo. A prova está em que encontramos pessoas felizes, apesar de, na nossa percepção, a sua situação as deve levar à infelicidade.
    Quem coloca a base da felicidade na procura incessante de bem-estar material e de estatuto social para impressionar os outros revela um comportamento de carência e, assim, não pode ser feliz. Aliás, o dinheiro leva consigo a lógica da insatisfação: quanto mais se tem mais é preciso ter.

    O que será então a felicidade?

    Uma mistura de uma vida agradável, com prazer, boa, ou seja uma vida realizada.

    A nossa felicidade faz impressão a muita gente, mas o que importa isso?
    Sabem lá eles o quanto trabalhamos para estar bem?

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  2. Realmente, é preciso muita percepção e sensibilidade para saber ver toda a beleza da natureza. Achei linda a reflexão!

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  3. Mário Ventura de Sá e Prof. Adinalzir,
    um sábio falava que é muito mais fácil renunciar à felicidade do que aos problemas.
    Com isto, ele queria dizer que a felicidade só pode ser experimentada mediante o usufruto de um alto grau de abstração, porque na falta deste viabiliza-se apenas a contemplação bovina, posto que isenta de auto-consciência.
    Nietzsche, um dos sujeitos mais atormentados sobre a face da terra, ousou conjecturar sobre ela e talvez tais seres taciturnos sejam os veículos mais apropriados para expressá-la, já que um simples vislumbre dela deva ser o suficiente para cristalizá-la em filosofia, arte e poesia para todo sempre.

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  4. Adorei mesmo foi a foto de chuva.

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  5. Gostei muito, demais, e exatamente essa sensibilidade aguçada que podemos ter com a visão podemos ter com a audição e apreciar todos os encatamentos e texturas de uma uma música por exemplo, ou o paladar, e assim saborear coisas nunca antes sentidas. Temos que nos render ao diferente, nós estamos em constante mudança, na minha opinião sem estar abertos à tudo não evoluiremos mentalmente. Entre aqui: culturaaguce.blogspot.com e veja se voce gosta minha querida.

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  6. Vânia Doeler26/05/2012, 21:07

    "Todavia a apreciação estética requer uma mudança no olhar e nos demais sentidos."
    É isto mesmo. E também requer um olhar mais puro, menos influenciável por conceitos aprendidos. Requer um olhar atento.
    Gostei, principalmente, da foto da chuva.
    Um abraço
    Vânia

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