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26 de abr. de 2009

Imagens da crise.

A história é cíclica e nestes altos e baixos dialéticos o mundo acabou várias vezes. As invasões bárbaras na Europa,queda de Constantinopla, peste bubônica, gripe espanhola, guerras mundiais, grande depressão de 1929, etc., foram eventos que marcaram fins e ensejaram recomeços.

A grande imprensa, na qualidade de organismo dotado de percepção unidimensional análogo a lesma, interpreta a foto do dia em manchete retumbante “O mundo acabou”. E tem acabado todos os dias porque desde que Adão aprendeu a andar para frente, a humanidade tem enfrentado tantas crises, que é possível se falar em crise como padrão normal e na bonança, como situação anômala e passageira.
As crises se sucedem e somos obrigados a crescer, ou a cair de vez. No entanto, não só as crises financeiras submergem o individuo. Paralelamente às imagens tocantes da crise financeira mundial há a crise existencial que perpassa uma vida inteira.
Se a vida é uma sucessão de crises, o nascimento é talvez a maior delas. Sair do útero onde você tem todos os confortos e se precipitar no mundo frio e hostil é certamente uma calamidade sem precedentes.Uma vez superado o nascimento, você entra na fase gostosa com todo o tempo para brincar e só chora quando precisa de pequenos confortos. Mas, os anos passam e quando você se acostuma a ser criança, seu corpo começa a sofrer modificações importantes e, de repente, se torna nem adulto e nem criança, mergulhado numa crise existencial sem precedentes. Quer os direitos dos adultos, mas é tratado como criança por eles porque continua a agir como tal. Chegou a adolescência, época de crise infinita.
Tão logo você se vê adulto, enfrenta o perrengue da sociedade do trabalho que te exige a auto-sustentação. Para isto precisa de um emprego, mas todas as vagas exigem experiência e você pergunta: como terei experiência se ninguém me der uma chance para obtê-la? Você entende mais tarde as reticências dos empregadores quando revê as fotos da sua cara quando pleiteou o primeiro emprego. (O jeca da foto conseguiu logo, loguinho, afinal, ele foi no futuro o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos.)
Uma vez conseguido o emprego, você já pode mergulhar na próxima crise. É hora de casar e constituir família. Renunciar ao mundo de liberdades e porres para ter endereço fixo, hora de chegar e muitas explicações para dar quando se chega tarde. Você está pronto para o fio de navalha do Casamento!
Quando tudo parece ir de vento em popa, o céu desaba sobre a sua cabeça. Você perde o emprego e está no olho da rua sem lenço e sem documento, pronto para viver a catástrofe do desemprego!
Dependendo do período de desemprego, você se aporrinha com um cônjuge insatisfeito com a situação e, como a desgraça nunca vem desacompanhada, vem a separação.
O retorno à solterice te deixa animado para voltar ao antigo status quo. Bebedeiras, mulheres, festas e chegar de madrugada sem dever explicações... Mas, dia após dia vem o vazio existencial “que estou fazendo?”. E você mergulha na próxima crise, a da identidade. Enquanto isto, o tempo está passando.
O tempo passou e você descobre que nas festinhas que costumava frequentar, as meninas fogem ao mínimo olhar e quando você tenta um atraque, elas te tratam de “tio”. Você descobre estarrecido que as suas cãs começaram a embranquecer e que é hora de tratar de assuntos novos, tais como lidar com certas “falhas” na sua virilidade, exames de próstata e visitas regulares ao cardiologista. Bem vindo à crise da meia idade!
Um belo dia você descobre que entrou na idade do Condor. Com dor aqui e dor ali, seu corpo não responde mais com presteza aos seus comandos e você se vê espírito jovem habitando num corpo velho. Mário Quintana captou este momento através da sua prosa "velhice é quando um dia as moças começam a nos tratar com respeito e os rapazes sem respeito nenhum". A sua sequência interminável de crises chegou à penúltima estação, a velhice.
A última crise, a da morte, nunca é a sua, já que para o morto tudo está resolvido. A sua crise da morte se arrasta ao longo da vida inteira através da perda sucessiva dos entes queridos. Contudo, à media em que o tempo passa, a vida reserva a última grande crise sob a forma do vazio deixado pelas pessoas que se vão, e você fica com a sensação de ter sido abandonado na última estação.
Onde ficou a felicidade?
Diante da crise que se eterniza, a felicidade é efêmera. A alegria de viver acontece em breves interlúdios de lucidez e contemplação, às vezes com coisas simples e belas. Às vezes, nalguma bela tarde de verão, você se deixa deitar na relva a contemplar nuvens e pássaros. Você esvazia a sua mente e deixa a vida correr em seu livre movimento. Ao viver estes instantes de ouro, afinal você pode dizer com orgulho: sou feliz!
Esta história pode ter um final feliz: viver ou não viver as crises pode ser uma questão de atitude!

Por: Isaias Malta
Foto do Desempregado [spsoul]
Morte Ophelia by Sir John Everett Millais [cfga]

8 comentários:

  1. Cara, muito bom o texto.

    Dá pra perceber que essa ordem das crises são a rotina da vida. Além da rotina dos dias, a maioria das pessoas segue a regra de nascer, estudar, trabalhar, casar, envelhecer e se arrepender.
    O homem se gaba de ser superior aos animais porque pode refletir e criar algo novo, mas essa rotina já domina a vida dele faz tempo. A felicidade não precisa ser alcançada buscando pequenos momentos de liberdade.
    Está mais do que na hora de criar algo novo. Ao invés de disfarçar as crises, tentar lutar contra elas.
    O problema é que, apesar de serem homens, nem todo mundo pára pra refletir.

    Abraços,

    Guilherme

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  2. No próximo dia 01, portanto, sexta-feira... Dia do Trabalhador, no Coisas Banais do Blogspot, teremos um texto para Fazer face à crise. Deixo a sugestão e o agradecimento pelo seu post, criativo e inspirador.

    Até lá!

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  3. Gostei muito.
    Adorei a analogia da imprensa com a lesma (não vejo a hora de repetí-la hoje a noite no bar).
    Eu me irrito com este alarde desenfreado de crise/fim de mundo feito pela imprensa e repetido por todos - principalmente os que não tem dinheiro (e nunca tiveram) e pelos que tem dinheiro (e continuarão a tê-lo).
    Portugal, onde vivo, passa por um momento delicado a nível industrial. Muitas demissões, falências, quedas salariais e um medo generalizado.
    Também no setor imobiliário assite-se uma enorme mudança - que acompanha a crise americana. Para ter uma idéia a prestação da minha casa diminuiu trinta por cento.
    No setor automobilístico, coo não podia deixar de ser, há um pânico latente e contido.
    Mas por outro lado está a acntecer uma apoteose comercial e turística, além de um investimento sem precedentes em saúde (médica, estética e preventiva) e uma "autocompensação" pelos momentos de crise e arrocho por que se passa o que se traduz em mais injeção econômica.
    Na área da eletrônica, comunicação, internet (incluindo), mobilidade (transportes pessoais e públicos) os aumentos de faturação são tão incríveis que são gritantemente ignorados pois eles não se permitem coexistirem no confortável mundo catastrófico da crise atual.
    A SONAE (uma das maiores redes de super e uma das mais importantes ações) de Portugal teve uma queda de 66% nas suas ações no ano passado enquanto teve um aumento de faturamento de mais de 50%. A "LESMA" foi mais influente que todos os indicativos financeiros.
    Pra ter uma idéia o posto de gasolina que a SONAE possui na minha cidade a uns dois anos, desde que a lei permitiu, vende 70!!! milhões de litros de combústivel por mês. São 1.400.000 mil tanques cheios por mês. O que dá uma média de dois abastecimentos completos por habitante da minha cidade. O que parece incrível fica compreensível quando eu cauculo que gasto cerca de 200 Euros de combústivel por mês... a regrar muito.
    Por isto me irrita esta "mania da crise". E o seu texto define o Porquê este alarde é falso e desneessário. Me lembrou uma frase de uma grande personalidade (que como sempre não lembro quem é): "O Homem sempre considera que vive no pior de todos os tempos. Não admite sucumbir que não seja pela maior força jamais empregada pelo destino"... mais ou menos isto.
    Repito: Gostei MUITO.

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  4. ESSA FOTO DA ADOLESCENTE NA GRADE(ADOLESCENTE) É A ALLISSON MACK....AQUELA QUE FAZ A CHLOE NA SÉRIE SMALLVILLE!!!! KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

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  5. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkhhh
    e mesmu preça]ptgjeop]]jperjpjepajtpjy
    ntendi ne

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  6. rsrsrsrsrsrsrsrrsrssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrsssssssssssrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrssrrrrrrrrrrrrrrrrrrrsssssssssssssssssrrrrrrrrrrrrrrrrrrsssssssssssssssrrrrrrrrrrrrrrrrrssssssssssssssssssrrrrrrrrrrrrrrssssssssssssrr

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  7. Falamos de crise de identidade.

    Vivemos no país do logo-se-vê.
    Do pode-ser-que. Do em-princípio. Do se-tudo-correr bem.

    A dificuldade que temos em tomar decisões já quase se tornou característica nacional. É qualquer coisa que deve estar nos genes.

    Diante de qualquer problema dizer "é assim, é assim, pronto, vamos a isso" - é frase que os portugueses nem sabem como se pronuncia.

    E essa capacidade de ser rápido e eficaz - tipo "o que tem de se fazer que se faça depressa"- reflecte-se nas coisas (aparentemente) banais do dia-a-dia.
    Por exemplo: já repararam na dificuldade que as pessoas têm em pôr fim a uma simples conversa telefónica?

    "Adeus, adeus, beijinhos, sim, eu depois ligo, tá bem, adeus, sim, não me esqueço, sim, em princípio eu vou, beijinhos, então vá, pronto, tudo bem, adeus, adeus, beijinhos, vá, tá bem, sim..…" - são capazes de ficar naquilo horas seguidas!

    Será tão difícil tomar a decisão de desligar depois de um honesto "então, adeus" ou qualquer outra variante do mesmo género?

    Tomar decisões, nem que seja a banalidade de desligar um telefone, é trabalho demasiado hercúleo para os nossos pobres ombros.

    Por essas e por outras é que eu gosto da extraordinária canção dos "Deolinda", chamada "Movimento Perpétuo Associativo" em que, depois de um incitamento revolucionário às massas para que tome uma atitude ("agora sim, temos a força toda/ agora sim, há pernas para andar") lá vem, em contraponto, o desfiar de todos os habituais impedimentos desta terra do logo-se-vê: "agora não, que é hora do almoço", "agora não, que me dói a barriga", "agora não, porque joga o Benfica", "agora não, porque falta um impresso", "agora não, que há engarrafamento", etc., etc., etc.…

    Há sempre uma justificação para prolongar todos os "agora, não" da nossa forma de ser ou sina ou fado.

    http://www.youtube.com/watch?v=us9dIcLjfKM

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  8. Nunca como agora foi tão tensa a relação entre governantes e governados. Numa altura em que os problemas são gigantes, esta dessintonia é, no mínimo, perigosa.
    Ainda não chegamos ao ponto de ebulição em que os gregos estão, mas também é nítida a sensação de que não andamos longe desse indesejável lugar.
    Já "ninguém acredita que o dinheiro que entrega ao Estado será bem gerido". Isto é: as medidas de austeridade impostas ao povo têm uma primeira causa - o passado irresponsavelmente despesista do Estado - que retira moralidade aos sacrifícios exigidos.

    Este pode muito bem ser o rastilho de uma futura liquefacção dos estados tal como hoje os conhecemos. Quando o muro de Berlim caiu, assistimos a um fenómeno de "complexidade crescente",: à medida que muitos países se organizavam em blocos, políticos e/ou económicos, verificou-se uma explosão de novos estados.
    Este movimento de sinais contrários embrenhou-se agora na economia: o pedido de sacrifícios aos governados choca de frente, e cada vez com maior intensidade, com a confiança que estes depositam nos seus governantes. Justamente porque "ninguém acredita que o dinheiro que entrega ao Estado será bem gerido"

    Sim, podemos juntar aqui a conversa habitual: também nós, patriotas consumidores estamos obrigados a alterar os nossos estilos de vida. É verdade. Parece-me, no entanto, que o problema já está bem para lá dessa óbvia constatação. Nunca como agora foi tão tensa a relação entre quem manda e quem é mandado. Numa altura em que os desafios são gigantes, esta dessintonia é perigosa, para dizer o mínimo.

    A verdade é que as notícias não tendem a melhorar, de modo a baixar o nível desta pressão. A Hungria está perto da bancarrota. E o Governo alemão apresentou ontem o maior pacote de austeridade desde o fim da II Guerra Mundial. Objectivo: reduzir a despesa do Estado em 80 mil milhões de euros (metade daquilo que Portugal produz num ano inteiro) até 2014.
    É brutal.
    Os cortes afectarão o rendimento mínimo garantido e os subsídios aos pais que ficam em casa a cuidar de crianças logo após a maternidade. Isto é: os direitos adquiridos - expressão tão querida leva um valente abanão.

    São apenas ideias vindas do inferno...

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