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8 de mai. de 2008

O caso Nardoni desbanaliza a agressão às crianças do Brasil?

Segundo a pesquisa CNT/Sensus divulgada no dia 5/5/2008, aproximadamente 98,2% da população brasileira conhece o assassinato da menina Isabella Nardoni e acompanha o caso desde o final de março. Ora, num país em que o assassinato de crianças é tão ou mais normal que as mortes do trânsito, é um acontecimento inédito um acontecimento banal despertar tanto interesse, tanta revolta e tanta mídia.

O que teria feito deste caso mais um assassinato anônimo de criança, sem mídia e julgamento público? Qual foi o fato novo que transformou um crime banal, num país em que as crianças fumam crack nas ruas e se prostituem explicitamente em praça pública, num acontecimento de comoção social?

Para responder à essa pergunta, é preciso fazer um exercício de imaginação. Vamos imaginar que a menina Isabella Nardoni tenha sido mais uma das milhões de crianças a sofrer agressões físicas no interior do lar. Ou seja, enquanto ela estava sendo
agredida, esganada, soqueada e semimorta devido aos ferimentos na garganta, ainda não havia motivo de estardalhaço no país que maltrata suas crianças sob um imperante clima de banalidade, que continua tão enraizado quanto o samba e o futebol.

Um pequeno detalhe fez o caso estourar na mídia sob o incêndio do interesse dos telespectadores: a garota foi jogada da janela do 6º andar do edifício London para se espatifar no jardim sob os olhares públicos e curiosos. Apenas um pequeno detalhe transformou a triste banalidade de matar crianças num grande e hediondo crime, enquanto convivemos pacificamente com a realidade de milhares de crianças anônimas que continuam a ser estupradas, seviciadas, queimadas, surradas, escravizadas, assassinadas e entregues às drogas.

O motivo da elevação de uma banalidade ao nível emblemático foi um inusitado e breve vôo em direção a morte. A pequena Isabella, enquanto voava se transfigurava em símbolo de repúdio a normalidade da infância violada. Prosseguindo no nosso pequeno exercício imaginativo, vamos imaginar que o crime tivesse tido o desfecho de milhões de outras meninas e meninos que morrem inutilmente, mudando um pequeno detalhe; ao invés do corpo ter sido arremessado, tivessem decidido levar o pequeno corpo inanimado ao posto de saúde mais próximo, o caso teria ficado confinado à burocracia hospitalar.

Mas algo diferente aconteceu, fazendo com que a menina Isabella, ao invés de ter entrado para as estatísticas frias, anônimas e banais da agressão nossa de cada dia contra a infância, se tornasse celebridade instantânea post-mortem. O rumoroso caso Nardoni só nasceu por causa do pequeno vôo, da trágica decisão de arremessar o corpo através da grade de nylon. O culpado, ou culpados deste crime, elevaram involuntariamente o ato comum de agredir crianças ao nível de crime repudiado nacionalmente. Oxalá que os casos de Isabellas anônimas de todos os dias pudessem ter tanto repúdio quanto aquele da Nardoni, porque aí o Brasil estaria a caminho de descobrir o lado aterrador do Brasil.

Referência à pesquisa CNT/Sensus:
http://oglobo.globo.com/sp/mat/2008/04/28/cnt_sensus_98_2_da_populacao_conhece_caso_isabella_nardoni-427093155.asp

Caso Nardoni, crime, agressão à infância, assassinato, crime hediondo, mídia

2 comentários:

  1. Sua teoria é deveras interessante, mas acho que é mais que isso. De acordo com estatísticas, morrem 36 crianças por ano em quedas de edifícios ou estruturas altas. Isso é muita coisa.

    Minha opinião? Testemunhas e uma história muito mal contada, além do fato de que desde o início o pai já era suspeito de *assassinato*, atraíram a atenção da mídia. Geralmente as pessoas odeiam quem mata a criança, mas não quem a deixa morrer.

    No mais, o caso já está praticamente resolvido agora, com os responsáveis presos. Eu dou no máximo uns seis meses(ou menos, quando acontecem as Olimpíadas, mesmo?) pra isso ficar esquecido e ser mencionado no máximo na Restrospectiva 2008. Se não for esquecido naturalmente, alguma outra coisa grande distrai a mídia do assunto.

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  2. O meu texto se restringiu à agressão da infância, sem entrar na negligência à infância, quando o abismo é bem maior.
    Acho que as pessoas não se importam muito com quem mata criança, desde que os assassinos socorram o moribundo e não arremessem a criaturinha semi-viva pela janela de um edifício de classe média.
    O detalhe do arremesso fez a história, enquanto todas as outras que morreram no hospital ou enforcadas dependuradas em árvores, continuam na obscuridade.
    Mesmo que haja esquecimento, pelo menos UMA vez um dos casos banais ganhou notoriedade, não sei por quanto tempo, mas já é um começo.

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