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27 de mai. de 2008

Por que o padre voador virou piada?

Flyer Priest
Duas mortes de grande repercussão na mídia, no entanto tiveram desfechos diferentes; enquanto uma continua a comover por seus tons sombrios, a outra se transformou em piada. A primeira foi o assassinato da menina Nardoni que o Brasil ainda chora, a segundo foi a morte de uma padre católico pendurado em balões de festa ao sabor de ciclônicos ventos extratropicais, evento esse transformado em chacota nacional.

O que levou a morte do eclesiástico virar lenda e a provocar risos? O inconsciente coletivo explica: um padre católico pendurado embaixo de dezenas de balões coloridos sendo arrastado inexoravelmente para o mar provoca uma ambigüidade de sentimentos devido ao insólito da cena – o lado trágico suplantado pelo caráter tosco da imagem repetida à exaustão na TV - o padre subindo ao céu, não em razão da sua virtude, mas em virtude da sua desrazão.

As pessoas se sentem alegres quando a sua teoria sobre vôo se confirma: elas gostam quando as suas mães têm razão com relação aos esportes radicais e voar é a principal delas. Logo, alguém que se estrepe voando, prova para todos que o bom senso triunfou novamente e tudo foi recolocado no seu devido lugar.

O padre viciado em alturas comprovou que voar pode ser um péssimo negócio, sendo o testemunho eloqüente e justificador pelo qual as pessoas podem se sentir felizes por terem permanecido levando as suas pacatas vidinhas na planície. Seu corpo ainda não foi encontrado e talvez nunca seja, devido aos tubarões habitantes das nossas costas especializados em carne santa desde o descobrimento do Brasil, quando aqui naufragou o Bispo Sardinha e foi rapidamente devorado por peixes e índios.

A nossa antropofagia é isso, devoramos os nossos heróis ao transformá-los em tolos pendurados em balões de festa. A famosa foto do padre em sua infantil e fantástica máquina voadora corre o mundo em montagens e vídeos irreverentes, provando que compreendemos os nossos mártires somente quando eles se ferram, legando a certeza de que a vida na superfície ainda é o melhor elixir para o prolongamento da vida dos covardes vivos.

Antropologia, antropofagia, mídia, aventura, esportes radicais, balonismo amador

3 comentários:

  1. Eu não sei o resto, mas acho que o mais ridículo foi o dito cujo levar um GPS sem ter a "envergadura moral" de aprender a usar o aparelho. E era muito fácil.

    Convenhamos, vai fazer besteira, faz direito...

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  2. Sabe como inicia o filme Andrey Rublyov do diretor russo Tarkovisky? Um padre medieval transgressor faz um vôo com um balão de ar quente. O absurdo da situação é que até que aquele balão era mais seguro do que o do nosso padre.
    Quem entende um mínimo de vôo, se tivesse que cometer uma loucura dessas teria consultado o mapa de ventos do INPE, calculado a provável altitude que os mil balões atingiriam e teria chegado à conclusão de que naquele dia o vento no tal nível projetado não corria para o interior do continente e sim para o mar. Então nunca teria sido tarde demais para abortar a façanha.
    Isto é elementar para quem voa e estuda sobre vôo.

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  3. Tenho acompanhado na mídia e na internet esse acontecimento fatídico e tenham certeza que esse é o único comentário que aborda de uma maneira profunda e realística o fato. Sou piloto de balão a 20 anos e já vi muita estupidez mas esse padre com certeza é hors-concours.
    Parabéns pela matéria, são artigos como esse que, nos tornamos melhores e mais sábias.

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